Folha de S. Paulo


Guerra cirúrgica dos drones: uma quimera

"Signature strikes" - "ataques de assinatura" ou "ataques de marca", em tradução livre - são ataques de drones contra alvos que não foram identificados como "terroristas", mas têm um comportamento suspeito. Comportamento suspeito, obviamente, é um conceito bastante elástico. Grosso modo, jovens entre 15 e 40 anos, armados, em agrupamentos ou viajando em comboios. Ou, como brincou um alto funcionário do governo Barack Obama em 2012, para a CIA, "três homens fazendo polichinelos" no Paquistão são uma "assinatura" de treinamento de terroristas.

Os "ataques de assinatura" são apenas um dos aspectos absurdos do programa de assassinatos direcionados do governo norte-americano contra supostos terroristas.

Em discurso no Wilson Center em 2012, John Brennan, diretor da CIA, afirmou: "Graças à capacidade sem precedentes dos drones de mirar com precisão um objetivo militar, minimizando os danos colaterais, poder-se-ia argumentar que nunca antes existiu uma arma que nos permitisse distinguir mais eficazmente entre um terrorista da Al Qada e civis incoentes."

Nada mais distante da realidade.

Segundo levantamentos de ONGs de direitos humanos, desde 2004, cerca de 3 mil pessoas morreram em decorrência de ataques de drones no Paquistão - sendo que entre 400 e 900 eram civis. No Iêmen foram cerca de 500, dos quais 50 a 90 eram civis.

O livro recém-lançado "Teoria do drone", de Grégoire Chamayou (editora Cosac Naify) joga luz sobre essa guerra de controle remoto, na qual, supostamente, é possível "projetar poder sem projetar vulnerabilidade", e "é impossível morrer matando".

O livro discute as implicações filosóficas de uma guerra em que não há um combate em pé de igualdade, mas sim uma disputa em que um caça e o outro é caçado, sendo que o caçador está a salvo, a milhares de quilômetros de seu alvo. Mas Chamayou também discute aspectos técnicos - por exemplo, a quimera de que os drones são mais precisos e por isso causam menos "efeitos colaterais".

Quando um drone Predator dispara seu míssil Hellfire, de fato há grande acuidade de tiro - o míssil explode no ponto exato que lhe foi designado.
Mas o "raio letal" do míssil, ou seja, o perímetro da explosão, é de 15 metros. Traduzindo: "todos aqueles que se encontram em um raio de quinze metros em torno do ponto de impacto, mesmo que não sejam o alvo designado, morrerão com ele. E seu raio de ferimentos é estimado em vinte metros."

Só para comparar, o raio letal de uma granada, usada em guerra convencional com tropas terrestres, é de 3 metros.

O segundo elo frágil dessa suposta "precisão" se refere à "qualidade da inteligência".

Em 2010, fiz uma reportagem sobre os pilotos americanos de drones. São os soldados americanos que, a mais de dez mil quilômetros do Paquistão e do Afeganistão, confortavelmente sentados em suas poltronas em uma base militar em Nevada, EUA, travam a batalha dos drones.

Como me explicou o coronel David Sullivan, que na época comandava o 17º esquadrão de aeronaves de pilotagem remota, ou RPAs, os pilotos de drone, usando seus joysticks, focalizam sua câmera no "alvo" e mandam o vídeo para um especialista em inteligência. Se o especialista em inteligência fizer a chamada "identificação positiva", confirmando que aquele é mesmo o inimigo, os pilotos podem atacar.

Mas apesar de as armas serem mais precisas, os pilotos terem mais tempo para decidir se vão atacar e mais dados para ajudar em sua decisão, muitas vezes há enganos, e civis morrem.

"Às vezes as armas não são previsíveis, elas são mecânicas, quebram, estilhaços causam mortes. E outras vezes, o ataque é em lugares tão apertados e fechados, que para salvar vidas de americanos, temos que usar armas que podem atingir civis...e, por fim, erros acontecem...às vezes pessoas no fronte identificam um alvo como inimigo, mas se enganam..."

Daí se depreende porque a ideia de ataques cirúrgicos com efeitos colaterais mínimos é uma ilusão.


Endereço da página: