Folha de S. Paulo


Ebola não é gripe e Dallas não é Serra Leoa

Conter uma epidemia de vírus ebola nos Estados Unidos não é difícil: o país tem amplas condições de identificar e isolar as pessoas que tiveram contato com o homem contaminado.

Os EUA já lidaram com cinco casos de febre hemorrágica antes (Lassa e Marburg, semelhantes ao ebola) sem que a doença se alastrasse. Eles têm inúmeros hospitais equipados para isolar de forma apropriada um paciente de alto risco (como o de Emory, Atlanta, onde foram tratados os dois americanos que vieram da Libéria doentes). E equipes de saúde pública capacitadas para o "contact and trace" necessário nessas epidemias.

Resumindo: Ebola não é gripe e Dallas não é Kailahun, Serra Leoa.

Mas conter a epidemia de pânico em solo americano será bem mais difícil. Os Estados Unidos são um dos países mais "germofóbicos" do mundo.

Dois dias após a confirmação do caso no Texas, a histeria tomou conta da nação.

Segundo pesquisa da escola de saúde pública de Harvard, 39% dos americanos acham que o país terá uma grande epidemia de ebola nos próximos 12 meses. Pior: 26% acham que podem pegar ebola nos próximos 12 meses.

Isso depois de maciça campanha de informação, esclarecendo que ebola não se pega como gripe, pelo ar, nem sentando ao lado de um doente no metrô. É preciso entrar em contato com fluídos (vômito, suor, sangue) de uma pessoa doente e sintomática.

(Detalhe, a pesquisa foi feita em agosto, ANTES de ser diagnosticado o caso no Texas. Imagine agora....)

Donald Trump, famoso pela verborragia no twitter, decretou: "Os Estados Unidos precisam instituir severas restrições a viagens ou o ebola vai ocupar o país inteiro - uma praga como nenhuma outra."

"Um milhão de vidas ameaçadas pelo ebola na África Ocidental? Parece estar tudo sob controle. Um texano? Oh Deus, Oh Deus, vamos todos morrer, pânico, caos!!", ironizou Alexandra Petri, colunista do Washington Post.

A germofobia faz parte da psique americana. Vira e mexe, americanos correm para as farmácias em busca de litros de álcool gel e pilhas de antibióticos, ou vetam algum alimento de seu cardápio.

Em 2006, foi o terror do espinafre. Três pessoas morreram e 200 ficaram doentes numa epidemia de e.coli. Identificado o culpado ± espinafre contaminado com esterco de vaca na Califórnia ± a verdura foi para o ostracismo.

De um dia para o outro, sumiram todos os pés de espinafre dos supermercados, enquanto TVs alertavam: não comprem espinafre. Isso já aconteceu com hambúrguer, melão, couve de Bruxelas....

Na esteira do pânico pós 11 de setembro, veio o "pavor do antraz".

Uma semana depois dos atentados, cartas com esporos de antraz começaram a ser enviadas a veículos de mídia e políticos americanos, e causaram 5 mortes. Durante semanas, muitos americanos nem se aproximavam de caixas de correio, por medo de contaminação.

Eu me lembro disso particularmente bem, pois morava em Nova York na época. Durante três meses, eu é que tinha de abrir toda a correspondência, porque minha companheira de quarto, americana, tinha horror.

Ela –e mais metade da população americana– acabaram com os estoques do antibiótico Cipro.

Pois bem, imaginem o que não vai acontecer agora, com o ebola, essa doença tão apavorante, no país.


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