Folha de S. Paulo


A Copa na favela do Moinho

Assisti à abertura da Copa do Mundo na favela do Moinho, no centro da cidade, no evento organizado pelo Comitê Popular da Copa e o Movimento Moinho Vivo. Escrevi uma reportagem para o jornal, publicada nesta sexta-feira, mas gostaria de postar aqui a versão ampliada.

Aí vai:

A Copa dos "anti-copa" na favela do Moinho, centro de São Paulo, reuniu ativistas torcendo para a Croácia e moradores vibrando com o Neymar.

"Isto aqui não é uma festa, é um evento político que questiona o futebol elitista, realizado em uma comunidade de resistência, a última favela sobrevivente no centro", anunciava a arquiteta Larissa Viana, 30, do Comitê Popular da Copa, por um microfone que teimava em não funcionar.

O Comitê montou vários jogos temáticos em volta do centro comunitário da favela: no "Cala Boca Galvão", a meta era acertar a bolinha na boca do locutor Galvão Bueno; no "Tiro ao alvo nas empreiteiras da Copa", o objetivo era acertar na Odebrecht, Camargo Correa e Andrade Gutierrez; e o Tomba Fifa era um jogo de boliche com as figuras de Joseph Blatter, presidente da Fifa, José Maria Marin, presidente da CBF, Ricardo Teixeira, ex-presidente da entidade, e outros. "Desses daí, só conheço o Ronaldo e a Fifa", dizia Renato dos Santos Silva, de 12 anos, enquanto mirava no Marin.

O ponto alto era o "Desce o cacete no Ronaldo", em que as crianças malharam o Judas com um boneco representando o ex-jogador Ronaldo. "Ele é que disse 'tem que baixar o cacete nos vândalos dos protestos'", explicava uma ativista.

"Vocês estão dando camisa do Brasil?", perguntava a moradora Sandra F.. "Onde é que vocês estão dando camiseta do Brasil?", repetia.

Dois grupos de rap se apresentaram o Ktarse, grupo de rap "combativo anticapitalista"

A ideia inicial era ignorar completamente o jogo Brasil x Croácia, mas os ativistas tiveram que contemporizar.

"Nós entendemos, a galera da comunidade quer ver o jogo. É a contradição que a gente vive", disse a atriz Natalia Siufi, 26.

No andar de cima do centro comunitário, a festa era "comme il faut": havia telão, cadeiras de plástico, cerveja, churrasquinho e a indefectível narração de Galvão Bueno.

Embaixo, forró, projeção de imagens de protestos e ativistas ignorando placidamente o jogo do Brasil.

A cada lance da Croácia, os ativistas comemoravam: "Vai Croácia! Vai Dimitri!" Quando invalidaram o gol da Croácia por falta no ataque, ouviu-se um "Juiz ladrão! Copa comprada!"

No gol da Croácia, enquanto os ativistas comemoravam, os moradores xingavam.

"Se o Brasil ganhar, ganha a propaganda nacionalista. Mas eu acho que o Brasil vai ganhar, porque a Copa está comprada; afinal, a reeleição da Dilma está no pé do Neymar", lamentava a atriz Natália.

Danilo Mekari, 25 anos, jornalista, veio com a camisa da Croácia. "Uma derrota do Brasil seria um alerta contra a especulação dos megaeventos", dizia ele, que milita no coletivo DAR (Desentorpecendo a razão, pela legalização das drogas".

Um ativista de trinta e muitos anos resumia, resignado: "nos meus 20 anos, eu também achava que futebol era alienação e boicotava; hoje, eu assisto ao jogo e xingo o governo".

No "hot dog da Marcia", o que mais saía era o Velho Barreiro e a Pirassununga, a R$ 2 a dose. Mas tinha procura também o Contini a R$ 2 a dose.

O jardineiro Ivanildo da Silva, 56 anos ia fugir da bagunça do centro comunitário e assistir ao jogo na sua casa. Acaba de comprar uma TV de 42 polegadas "R$ 1800 em quatro vezes. É a terceira casa de Ivanildo –as duas primeiras foram destruídas em incêndios. "Eu sou contra os gastos da Copa, mas quero assistir ao jogo na tranquilidade", disse. "Mas gosto dos ativistas, eles sempre vêm aqui."

A presença era eclética: havia entidades contra a Copa, contra chacina, Movimento Palestina para Todos, coletivo mapa xilográfico, movimento Passe Livre, entre outros.

Mas tinha também turista que foi só para socializar. "Vim aqui com amigos, não sou do movimento; mas não dou entrevista para jornal brasileiro", dizia uma moça vestindo uma calça de lycra com estampa de oncinha e maquiagem pesada.


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