Folha de S. Paulo


Índia, uma Califórnia subsaariana

Crescimento desigual e sem criação de empregos levaram a Índia a se tornar um país formado por "ilhas de Califórnia em um mar de África Sub-Saariana". Essa definição é dos economistas Amartya Sen, Prêmio Nobel, e Jean Drèze, que juntos escreveram o livro "Uma Glória Incerta: Índia e Suas Contradições".

Com a vitória de Narendra Modi, renovam-se as esperanças de que o país vai finalmente decolar –crescer de forma sustentada acima de 7%, taxa necessária para gerar 1 milhão de empregos por mês e absorver jovens entrando no mercado de trabalho e mão de obra saindo do campo.

Modi é ostensivamente pro-business e economistas neoliberais como Jagdish Bhagwati, da Universidade Columbia (aquele da tigela de espaguete) e Arvind Panagariya foram seus conselheiros durante a campanha e podem ter algum papel no governo. Já economistas ditos desenvolvimentistas como Sen e Drèze são mais críticos do modelo Modi. Afirmam que Gujarat, estado que Modi governou por 12 anos e é usado como modelo de sucesso, tem indicadores sociais ainda muito precários.

Entrevistei Drèze, idealizador do National Rural Employment Guarantee Act - programa que garante 100 dias de trabalho remunerado a trabalhadores de baixa qualificação –por e-mail, enquanto eu estava em Déli. Drèze é um ativista focado em justiça social e estava em Jharkand, um dos estados mais pobres da Índia.

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Folha - Em seu livro, o senhor diz que a Índia ainda está muito longe de se tornar uma potência. Por quê?
Jean Drèze - A Índia ainda é um país muito pobre, apesar do rápido crescimento econômico dos últimos 30 anos. E sonhos de se tornar uma superpotência são uma distração diante de prioridades mais urgentes: melhorar a nutrição infantil, saúde para todos, ensino fundamental universal, equidade social entre outros.

Em comparação a outros países dos Bric, a Índia vai bem?
A Índia ainda é muito mais pobre que os outros países dos Bric. O PIB per capita indiano é um terço do brasileiro. E a Índia é o único país dos Brics onde uma grande parte da população não tem acesso a requisitos básicos para uma vida decente: educação fundamental, saúde, seguridade social, água limpa, saneamento básico, imunização, etc. Para preencher essas lacunas, não basta alcançar os outros países dos Bric em termos de renda per capita. É preciso melhorar os serviços públicos, aumentar a equidade social e mudar normas sociais.

A linha oficial de pobreza na Índia ainda é 32 rupias (US$ 0,53) na zona urbana e 26 rupias (US$ 0,43) na zona rural?
Sim. E ela é usada para restringir os benefícios sociais a lares "abaixo da linha de pobreza". Nesse sentido, a linha pobreza de 26 rupias por dia é muito baixa. Mal dá para comprar um quilo de arroz com isso.

Como você avalia as políticas pró-mercado de Narendra Modi?
Eu acho que as políticas de Modi são mais pró-empresas do que pró-mercado. E, nesse sentido, não são tão diferentes das políticas do governo anterior. Embora as empresas não achassem que as políticas do governo anterior fossem suficientemente amigáveis. Por exemplo, o governo do UPA (anterior) acreditava em regulamentações ambientais e compensação justa para pessoas deslocadas por projetos industriais. E é por isso que as grandes empresas apoiam Modi.

Por que a população está tão exasperada com o partido do Congresso?
A dura realidade é que o sucesso eleitoral de um partido depende de três fatores: dinheiro, organização e comunicação. O Bharatiya Janata Party tinha todos os três, e o Partido do Congresso, nenhum deles.


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