Folha de S. Paulo


Favor não importar da Argentina

Todos sabemos das barreiras comerciais que atravancam o suposto livre comércio entre Brasil e Argentina, vide sapatos brasileiros frequentemente encalhados na fronteira com o vizinho.

Mas há um setor em que uma barreirazinha certamente viria a calhar: importação de mutretas estatísticas.

Reportagem publicada no jornal "Valor Econômico" mostra que o governo argentino suspendeu a divulgação dos índices de pobreza e indigência relativos ao segundo semestre de 2013, prevista para a última semana de abril. A justificativa oficial era a "impossibilidade de compatibilizar a medição com o novo Índice de Preços ao Consumidor", em vigor desde janeiro.

Mas o fato é que a credibilidade dos índices do governo vinha fortemente abalada, porque eles se baseiam em uma cesta básica de valor muito inferior ao real. Os últimos números oficiais mostram uma taxa de pobreza de 5,4% da população da Grande Buenos Aires.

Resultado muito inferior comparado aos cálculos de várias consultorias e do Instituto de Investigación Social, Económica y Política Ciudadana (ISEPCI), que mostrou 28,23% da população da grande Buenos Aires abaixo da linha de pobreza.

O responsável pelas estatísticas, o Instituto Nacional de Estatística e Censo (Indec), já havia perdido a credibilidade com suas estatísticas sobre a inflação, questionadas pelo FMI, analistas e a torcida do Corinthians.

Sob intervenção do governo argentino desde 2007, o Indec calcula inflação em cerca de 10% ao ano, enquanto consultorias privadas projetam quase 40% de avanço dos preços.

No Brasil, acompanhamos o desenrolar da novela do IBGE, órgão que não costuma gerar manchetes. Funcionários pediram demissão depois do anúncio de que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) seria suspensa.

Especulou-se que a suspensão seria uma decisão política, ligada à campanha presidencial, uma vez que a Pnad Contínua mostra um índice de desemprego superior ao aferido pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME). E colaborou para a suspeita o fato de a decisão ter sido motivada por pedidos de senadores, entre eles a ex-ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann.

O argumento oficial foi de que o IBGE precisava formar uma força tarefa para uniformizar as informações sobre a renda domiciliar per capita entre todos os Estados, para atender a exigências da lei complementar que determina a renda como base para o rateio do Fundo de Participação dos Estados.

Depois de gritaria geral e demissões, a presidente do IBGE, Wasmália Bivar, anunciou a volta da Pnad contínua.

Melhor assim. E agora aproveitemos para erigir uma barreira contra essa importação funesta de nosso vizinho.


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