No ano em que o golpe de 64 completa 50 anos e os horrores dos porões da ditadura militar ganham destaque no noticiário, a tortura ainda é aceitável para um quarto dos jovens brasileiros.
Esse dado assustador consta da pesquisa Datafolha sobre valores democráticos e ditadura, publicada no domingo.
Para 26% dos jovens brasileiros de 16 a 24 anos, "a tortura pode ser praticada se for a única forma de obter provas e punir criminosos".
Examinando mais de perto os dados, vemos os maiores índices de aceitação de tortura entre aqueles que fizeram só o ensino médio (23% desses aceitam tortura); com renda familiar entre 2 e 5 salários mínimos mensais (24%) e 23% dos homens (diante de 20% das mulheres).
Promovemos um debate no TV Folha com o professor de sociologia da Unicamp Marcelo Ridenti, autor de vários livros sobre a ditadura, e o colunista Luiz Felipe Pondé para discutir os resultados da pesquisa.
E tentar entender: afinal, quem são esses jovens que acham a tortura aceitável?
Certamente, nesses 26% têm muita gente que assistiu e aplaudiu a policiais simulando sufocamento de suspeitos em Tropa de Elite; fãs das séries 24 horas e Homeland; e jovens que veem seus parentes constantemente serem roubados e querem justiça.
Também pode-se argumentar que os mais jovens não viveram a época da ditadura e, portanto, não têm muita noção do que é a tortura usada como instrumento de Estado.
Mas dificilmente trata-se de uma opinião circunscrita aos mais jovens.
A série de linchamentos de assaltantes (e suspeitos) que tomou os noticiários ultimamente é outro sintoma dessa deformação dos valores democráticos. Começou em fevereiro, com um menino acusado de assalto que foi agredido a pauladas e acorrentado nu a um poste, no Rio.
Essas cenas (seguidas de vários outras em que assaltantes eram submetidos a "justiçamentos" semelhantes) foram aplaudidas por boa parte da população - não apenas jovens, nem pessoas que só fizeram ensino médio ou ganham entre 2 e 5 salários mínimos por mês.
E essa deformação tampouco se restringe ao Brasil. Na Argentina, houve pelo menos 12 linchamentos de ladrões nos últimos dias.
De Buenos Aires, a correspondente Lígia Mesquita contou que um dos episódios mais recentes aconteceu no bairro de Palermo, em Buenos Aires.
Após roubar a bolsa de uma mulher, o ladrão foi pego por pessoas que estavam próximas ao local do assalto. Os vizinhos começaram então a espancá-lo. O criminoso foi salvo pelo porteiro de um edifício, que interveio. "Nem a um cachorro se tenta matar dessa maneira", disse o porteiro.
É tamanha a descrença nas instituições que deveriam julgar e punir criminosos, que facilmente se sacrificam os valores democráticos.