Folha de S. Paulo


Brics, na saúde e na doença

O ano de 2014 é decisivo para os Brics. Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul passam por desaceleração econômica - a crise de meia idade dos Brics, como disse Klaus Schwab no World Economic Forum em janeiro.

A Índia vai realizar uma das eleições mais importantes de sua história. O partido do Congresso, da dinastia Nehru Gandhi, deve ser derrotada por Narendra Modi, do BJP, partido fundamentalista hindu.

A África do Sul também terá eleições, em maio, embora o Congresso Nacional Africano deva se manter no poder. A Rússia passa por grande agitação em sua política externa, sofre sanções por causa da anexação da Crimeia, em um ambiente econômico que já não era favorável. E a China tenta manobrar um pouso suave, uma desaceleração de sua atividade com redução de endividamento e investimento, com o objetivo de completar uma transição para economia focada em consumo.

O Brasil tem os problemas que já conhecemos: crescimento medíocre, dificuldade de cumprir metas fiscais, aparelhamento de estatais e inflação em alta. Além das eleições em outubro.

Logo depois da crise de 2008, os Brics estavam em uma posição de superioridade que beirava a soberba. Enquanto os países ricos passavam por dificuldades econômicas, principalmente a União Europeia, os Brics faziam sermões e falavam sobre a receita de seu sucesso e a necessidade de reformar as instituições multilaterais.

Agora, a situação virou. O crescimento dos Brics desacelerou. O grande impulso para o PIB mundial deve vir dos países desenvolvidos nos próximos anos.

Mas os Brics precisam manter a força de sua mensagem reformista, mesmo vindo de uma posição diferente.

É importante a iniciativa dos Brics de criar instituições que reflitam a nova ordem geopolítica e o poder desses países. O banco dos Brics ou Novo Banco de Desenvolvimento é uma delas.

Espera-se que em julho, na Cúpula dos Brics em Fortaleza, os países anunciem a sede do banco, o capital e a divisão de capital. A principal função do banco seria financiar infraestrutura. Ele não seguiria as condicionalidades impostas por Banco Mundial e FMI. Não haveria esse viés paternalista de o banco decidir que projeto é bom para cada país.

Ainda há obstáculos para tirar o banco do papel -resistência da Rússia, prepotência da China, ceticismo em relação a sua real utilidade - mas ele se torna cada vez mais atraente com o fracasso da reforma do FMI titular.

Nesse sentido, os líderes dos Brics oficializaram no ano passado, em Durban, a criação do Arranjo de Reservas Contingenciais, uma espécie de cheque especial no valor de US$ 100 bilhões para ser usado em caso de crises financeiras.

O arranjo seria uma alternativa dos Brics ao FMI.

Mesmo com a criação desses novos mecanismos, a relação entre os Brics poderia ser muito mais aprofundada, mas não é.

Tomemos como exemplo a relação Índia e Brasil. Em 2004, o Mercosul e a Índia negociaram um acordo de preferências tarifárias. Bem modesto, não abarca muitos produtos importantes. Esse acordo só começou a vigorar em 2009. No ano passado, foi feita uma consulta pública com empresários para ampliar o alcance do acordo. Mas a ampliação do acordo ainda deve demorar.

No ano passado, em cima da hora, a presidente Dilma cancelou sua ida à cúpula do Ibas em Deli - o motivo era justificado o motivo era justo, as manifestações de junho no país, mas os anfitriões ficaram bastante contrariados. Agora, a reunião deve se realizar logo após a cúpula dos Brics.

O fundo do Ibas, para ações em terceiros países, também é muito modesto, com aporte de US$ 1 milhão de cada país.

E os Brics passaram por grandes divergências, seja em negociações de abertura de mercado na OMC, seja no consenso em torno de um candidato para Banco Mundial ou FMI.

Mas é hora de aprofundar o relacionamento dos Brics. Na saúde, e na doença, o impulso reformista deve ser mantido.


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