Folha de S. Paulo


Perguntas incômodas sobre um possível ataque a Síria

Os Estados Unidos podem estar na iminência de atacar a Síria. É hora de fazermos algumas perguntas incômodas.

O conflito na Síria já dura dois anos, com 100 mil mortos. No dia 21 de agosto, houve um suposto ataque com gás sarin, (segundo os EUA, Alemanha, Reino Unido e França, perpetrado pelo regime de Bashar al-Assad; segundo a Rússia e Assad, o ataque veio da oposição).

O fato é que morreram 1.429 pessoas, segundo a Casa Branca, ou 500, de acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos, baseado em Londres.

O Congresso americano pode decidir na semana que vem se apoiará a decisão de Barack Obama de intervir na Síria sem aval do Conselho de Segurança da ONU (China e Rússia certamente bloqueariam uma resolução apoiando a intervenção).

Um bom momento para perguntas que não querem calar:

Qual a certeza que podemos ter de que foi realmente Assad que usou as armas químicas (gás sarin) contra civis? Existe a versão de que os sauditas teriam armado a oposição síria com as armas químicas, e que os opositores teriam usado o gás --ou por acidente, ou por desorganização...

Se foi mesmo Assad que usou as armas químicas, por que ele faria isso, sabendo que provavelmente desencadearia uma intervenção das potências ocidentais?

Quando EUA, França e Reino Unido vão nos mostrar os dados de "inteligência" que provariam, de forma inequívoca, que foi Assad que usou as armas químicas? (sim, o espectro das supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein não nos abandona...)

Por que os Estados Unidos só resolveram agir depois de dois anos e 100 mil pessoas mortas? Será porque o conflito mantinha ocupados Hezbollah e Irã, o que era terrivelmente interessante para os EUA?

OK, armas químicas são uma "linha vermelha", atingem desproporcionalmente civis já que não diferenciam... Mas são mesmo piores do que armas comuns, que já mataram 100 mil na Síria?

Por que Vladimir Putin continua defendendo tão vigorosamente o regime de Assad e até que ponto ele vai continuar apoiando o presidente sírio? É por causa da base russa na Síria, venda de armas, o que conta mais?

Obama insiste em que o objetivo de uma intervenção não é mudança de regime, ou seja, não querem tirar Assad do poder. A Casa Branca teme que uma facção jihadista da oposição tome o poder. Mas "falcões" republicanos que apoiam a intervenção, como o senador John McCain, querem um ataque que sirva para desestabilizar Assad. Qual será o verdadeiro propósito (sem falar no resultado) de uma intervenção?

Como calibrar um ataque só para dissuadir Assad de usar mais armas químicas ou continuar bombardeando civis, mas não tirá-lo do poder???

Depois de Obama ter feito a ameaça de que armas químicas seriam a "linha vermelha", ele ficaria com a credibilidade arranhada se não interviesse na Síria? De que maneira uma intervenção na Síria vai evitar que Assad use mais armas químicas --não pode acontecer de ele achar que não tem mais nada a perder e aí usar mesmo???

Para ajudar os sírios, os EUA não deveriam aceitar mais refugiados? Há 2 milhões de refugiados sírios hoje. A Suécia já recebeu mais de 14 mil. Os EUA, só 4.629, e mês passado, passaram uma medida autorizando a entrada de mais 2 mil. Mas isso é minúsculo, diante dos 2 milhões e todos os outros que fogem diariamente....


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