Folha de S. Paulo


A violência que ninguém viu

Enquanto o Brasil dava olé atrás de olé no time da Espanha, o pau comia em volta do Maracanã. Diante da goleada, ninguém deu muita atenção às manifestações durante a final da Copa das Confederações, no Rio.

Mas os protestos no Rio foram assustadores. Não reuniram tanta gente como outras manifestações, mas a superioridade numérica de policiais (Polícia Militar, Tropa de Choque, Bope) em relação aos manifestantes garantiu cenas de violência.

Em frente a um bloqueio com mais de "cinco camadas" de policiais, vedando uma das ruas de acesso ao estádio, manifestantes protestavam pacificamente com os bordões de costume - por que o Neymar ganha mais que o professor, não queremos Copa, queremos saúde e educação, fora Globo, fora Cabral. Alguns manifestantes mais exaltados começaram a jogar pedras nos policiais. Integrantes do grupo "Black Blocks", com camisetas pretas cobrindo o rosto, juntaram-se a integrantes da Frente Nacional de Torcidas, gritando: "Não vai ter Copa".

E, o que parecia que ia ser totalmente inócuo, transformou-se em tumulto depois que alguns manifestantes com camisetas no rosto começaram a jogar bombas incendiárias contra a polícia.

A polícia reagiu, como era de se esperar. Mas a reação é sempre desproporcional. Passaram a jogar bombas de gás lacrimogêneo. Note-se, não era qualquer gás.

Era um gás muito mais potente, que tira a pessoa de combate por alguns minutos, de tanto que ardem o rosto e os olhos. Nem as máscaras usadas por alguns manifestantes e jornalistas resolviam. Teve gente que desmaiou. Segundo relatos, acabou o estoque de gás lacrimogêneo da polícia do Rio, que precisou fazer uma encomenda de emergência para a fabricante, a Condor. A Condor não tinha estoque para entregar, por isso mandou o gás lacrimogêneo que ia vender para Angola - e que tem concentração de ortoclorobenzalmalonitrilo, o lacrimogêneo, duas vezes superior.

Até aí, tudo certo. O gás foi usado para dispersar a multidão. Mas não só dispersar - policiais literalmente encurralavam e perseguiam manifestantes nas ruas transversais, jogando as bombas de efeito moral (cujos estilhaços provocam ferimentos), o lacrimogêneo turbinado e atirando com balas de borracha.

Na rua Moraes Silva, após o final do jogo, manifestantes foram cercados pela policia militar. Um manifestante jogou uma pedra e os policiais reagiram com bombas de efeito moral e lacrimogêneo. As pessoas gritavam para os policiais: "Covardes, despreparados".

"Cadê o vandalismo? A gente não fez nada e ficamos levando bomba na cara, é completamente desproporcional", disse a analista de redes desempregada Tatiana Naara, de 25 anos, que levava um cartaz dizendo "Se a bomba é de efeito moral, joga no Congresso nacional". Ela nem sabia o resultado do jogo. "Não quero saber desse jogo, não me interessa em nada."

Não existe uma resposta simples. A polícia tinha de garantir a segurança do estádio, havia entre os manifestantes gente usando bombas incendiárias e era necessário reagir. Mas será que era preciso perseguir manifestantes? Encurralá-los em ruas? Reagir a pedras com balas de borracha e gás superpotente?


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