Folha de S. Paulo


A não menos nobre vírgula

Apu Gomes/Folhapress
JACUMA PALM SPRINGS, CALIFORNIA, EUA, 21-10-2016, 05:00pm - FRONTEIRA ESTADOS UNIDOS MEXICO - Instalacao de arte construida ao ladodo muro na fronteira Estados Unidos - Mexico, em Jacumba Palm Springs, construida pelo artistas Mary Mihelic e David Gleeson em resposta a chamada de Donald Trump para aumentar o muro na fronteira entre os dois paises. (Foto: Apu Gomes)
"O presidente eleito disse, durante a campanha, que construirá um muro entre o México e os EUA"

Na semana passada, trocamos dois dedos de prosa sobre alguns casos do emprego do ponto e vírgula. Como vimos, o uso desse sinal de pontuação exige a percepção de aspectos sintáticos e estilísticos. É fundamental levar em conta a construção, o que se quer enfatizar etc.

Vamos trocar mais dois dedos de prosa sobre outro sinal de pontuação, não menos nobre que o ponto e vírgula: a vírgula, que, por incrível que pareça, ainda é apresentada em muitas salas de aula deste país como um sinal ligado à respiração.

"Cada vez que se respira, coloca-se uma vírgula", diz a lenda. Nas minhas palestras Brasil afora, é comum o questionamento sobre esse sinal de pontuação e é mais do que comum a constatação de que a "tese" da relação vírgula/pulmão ainda é viva. Não há quem me desminta quando digo que ainda se diz/ouve essa "tese" de norte a sul.

É óbvio que os muitos empregos da vírgula não cabem num texto do tamanho deste, mas é perfeitamente possível mostrar alguns dos tantos casos mais significativos. Uma dessas situações pode ser ilustrada pela pergunta do leitor Cesar A. A. Jacob, meu conterrâneo, isto é, guaratinguetaense. Jacob mandou esta questão: "Sempre aprendi que o advérbio deveria vir entre vírgulas, mesmo que, às vezes, a frase fique truncada.

Quando vi que não colocou os advérbios entre vírgulas, senti que há uma esperança de me libertar dessas verdadeiras amarras dos tempos escolares. Como pontuar, afinal, nesses casos?".

O leitor acertou na mosca quando se referiu a "essas verdadeiras amarras escolares". Tomemos como exemplo o próprio texto do leitor, que na passagem "...mesmo que, às vezes, a frase fique truncada" optou por pôr entre vírgulas a expressão adverbial "às vezes", que vem entre a locução conjuntiva "mesmo que" e "a frase", sujeito da oração introduzida por "mesmo que".

Vamos lá. Teria sido perfeitamente possível deixar "livre" a expressão adverbial "às vezes", ou seja, teria sido possível não empregar as duas vírgulas ("...mesmo que às vezes a frase fique truncada"). É bom que se diga que, com as duas vírgulas, a expressão "às vezes" ganha ênfase, o que não ocorreria se não fossem empregadas as vírgulas.

O que não se pode fazer de jeito nenhum nesses casos é empregar a chamada "vírgula solteira", que é aquela que perde o par no meio do caminho. Tradução: ou se escreve "...mesmo que, às vezes, a frase fique truncada" ou se escreve "...mesmo que às vezes a frase fique truncada". O que não se pode fazer é optar por uma destas duas construções: "...mesmo que às vezes, a frase fique truncada" e "...mesmo que, às vezes a frase fique truncada".

Quando se trata de expressão adverbial intercalada, ou duas ou nenhuma; uma só, não! Vejamos outro caso: "O presidente eleito disse, durante a campanha, que construirá um muro entre o México e os EUA"; "O presidente eleito disse durante a campanha que construirá um muro entre o México e os EUA".

As erradas: "O presidente eleito disse durante a campanha, que construirá um muro..."; "O presidente eleito disse, durante a campanha que construirá um muro...".

A opção por uma das duas formas corretas deve levar em conta determinados aspectos. Já vimos alguns deles, mas talvez valha a pena voltar ao tema para vermos outros desses aspectos. É isso.


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