Folha de S. Paulo


Que saudade do 'pára'!

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Tweet do UOL diz:
Tweet do UOL diz: "Adversário duro para Neymar"

Estava na "capa" do UOL, logo depois de Brasil x Colômbia : "Adversário duro para Neymar". E então, caro leitor? Levando em conta que, nos títulos, a imprensa sempre põe os verbos no presente, o que terá feito o tal "adversário duro"? Terá ele conseguido parar Neymar? Ou o que se destaca com o título é o fato de ele (adversário) ter sido duro?

A resposta está já no título da matéria em si, ao qual se chega depois do clique na "chamada" da página principal do site: "Neymar sofre com colombianos e revida com pontapé, mas decide com gol". Pronto! Já se sabe o que se queria dizer com o tal título: o atacante brasileiro teve pela frente um adversário duro.

Antes do infame "(Des)Acordo Ortográfico", não haveria a menor dúvida em relação ao sentido da frase em questão, que, por sinal, seria escrita do mesmo modo, mas não causaria nenhuma dúvida, já que vigorava a diferença gráfica entre "para" (preposição) e "pára" (verbo). Ninguém pensaria na hipótese de o "para" em questão ser verbo.

O "(Des)Acordo" acertou ao eliminar quase todos os inúteis acentos diferenciais de tonicidade (o de "pólo", "pêlo/s", "pélo", "péla" etc.), mas foi além do necessário e do razoável ao eliminar o mais que necessário acento na forma verbal "para" (escreve-se assim hoje). Foi mantido o acento de "pôr" (verbo).

O argumento "oficial" para o facão no acento de "pára" é simplório e facilmente desmentível: "O contexto define se 'para' é verbo ou preposição". Então tá. O exemplo visto mostra bem como o contexto esclarece a questão... No caso, o contexto que define é o do texto em si, e não o do título publicado.

Já toquei nesse ponto, mas o título do UOL me chamou tanto a atenção que resolvi voltar ao tema. E tenho outras razões para isso, além do título em si: um texto do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e um pronunciamento dele a respeito do "(Des)Acordo".

Antes de ir ao texto e ao pronunciamento do presidente português, lembro que, embora já vigore legalmente em Portugal, o "(Des)Acordo", na prática, ainda não é seguido por todos. Muitas publicações ainda não o adotaram; outras o adotaram, mas deixam a critério dos articulistas o emprego ou não da nova ortografia. Foi o que ocorreu com o texto que o presidente português publicou no semanário "Expresso" poucos dias antes de assumir.

Certamente não por acaso, Rebelo de Sousa optou pela grafia "velha". Depois, esteve na África lusófona, onde se manifestou favoravelmente à revisão do "(Des)Acordo".

É bom lembrar que Pedro Mexia, assessor cultural do presidente, sempre foi crítico do "(Des)Acordo".

Segundo o site português "RTP Notícias", Mexia diz que há a expectativa de revisão do "(Des)Acordo". O melhor vem de Artur Anselmo, da Academia das Ciências de Lisboa: "Nunca é tarde para corrigir situações que chocam a mentalidade das pessoas". E acrescenta: "O assunto é tão importante que merece que o presidente da República interfira (...) porque há coisas de bradar aos céus neste acordo". E como as há...

Por enquanto, aceito a proposta do grande Juca Kfouri, outro que não se conforma com o fim do acento na forma verbal "para": desobediência civil. Como assim? É simples: ignorar-se-á essa coisa, uma das que "bradam aos céus". Quando se tratar da formal verbal, escrever-se-á "pára". E fim de papo. É isso.


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