Folha de S. Paulo


Nova direita critica políticas que 'furam a fila'

Joshua Roberts - 23.ago.2017/Reuters
U.S. President Donald Trump greets supporters after arriving in Reno, Nevada, U.S., August 23, 2017. REUTERS/Joshua Roberts ORG XMIT: WAS102
O presidente dos EUA, Donald Trump, é um dos representantes da nova direita na política

A ascensão de uma nova direita nos Estados Unidos e em outros países está desafiando os estudiosos. Dos muitos livros publicados entre o final do ano passado e o primeiro semestre deste ano, destaca-se o da socióloga Arlie Horchschild, "Strangers in their Own Land" (Free Press, 2016), publicado um pouco antes da vitória de Donald Trump.

Para escrever o livro, a socióloga da Universidade de Berkeley foi ao sul profundo, no Estado da Louisiana, conviver com a classe trabalhadora branca de uma cidadezinha que apoiava o Tea Party e que, logo depois, viria a votar em Donald Trump. Misto de relato de observação e análise sociológica, o livro dá pistas interessantes para entender a ascensão da nova direita nos EUA e também em outros países, como o Brasil.

Horchschild parte de um paradoxo notado por outro estudioso, o historiador Thomas Frank: porque trabalhadores brancos pobres que se beneficiariam da assistência social são a base de uma nova direita que quer reduzir o tamanho do Estado e cortar direitos?

Para Horschshild, o paradoxo se desfaz quando entendemos que os trabalhadores brancos da nova direita acreditam que o dinheiro dos seus impostos é alvo de uma espécie de apropriação indébita realizada por um governo pervertido que redistribui dinheiro público para pessoas que não merecem. Para eles, pessoas que se recusam a trabalhar e recebem benefícios da assistência social, imigrantes que são acolhidos com plenos direitos, mulheres que querem abortar em programas de planejamento familiar, negros que fazem uso de cotas raciais e gays que se beneficiam de políticas antidiscriminatórias estão "furando a fila" de uma sociedade que deveria oferecer chances iguais a todos.

Para os trabalhadores brancos, pobres e pouco escolarizados que estão sofrendo com o desemprego e com a desindustrialização, um discurso antigoverno e em defesa dos seus valores familiares e religiosos tradicionais parece uma redenção contra um mundo com valores liberais que os torna "estrangeiros na própria terra".

A ideia de que as políticas progressistas são instrumentos de grupos que querem "furar a fila" e assegurar privilégios é uma explicação da lógica da nova direita que também ajuda a entender o seu discurso no Brasil.

Se observarmos com atenção o debate nas mídias sociais, veremos que os que adotam o discurso da nova direita brasileira nem sempre são contrários aos serviços públicos de saúde e educação que são universais, mas denunciam com força políticas como o Bolsa Família, a Lei Rouanet e as cotas raciais. Para a nova direita, essas modalidades de política não são vistas como políticas públicas focadas, orientadas aos grupos mais necessitados, mas "boquinhas", benefícios espúrios destinados "aos companheiros", aos grupos aliados ao governo. Essa interpretação parece integrada à narrativa mais geral de que o Estado brasileiro foi tomado de assalto por uma quadrilha de corruptos durante os governos petistas.

O Bolsa Família, nesse discurso, seria apenas um expediente para comprar o voto dos mais pobres e as cotas raciais, um subterfúgio para que militantes do movimento social furem a fila da universidade; já a Lei Rouanet seria apenas um mecanismo escuso para distribuir grandes somas de dinheiro público a artistas alinhados.

Embora a composição social da nova direita brasileira seja bem diferente da dos Estados Unidos, seu discurso parece ter a mesma orientação —é voltado contra aqueles que, na sua visão, querem apenas furar a fila.


Endereço da página: