Folha de S. Paulo


Rafael Braga é símbolo da repressão política e do racismo

Lucas Vettorazzo/Folhapress
Manifestantes pedem liberdade a Rafael Braga, catador das latinhas preso em manifestação no Rio em 2013
Manifestantes pedem liberdade a Rafael Braga, preso em manifestação no Rio em 2013

Foi suspenso, no Rio de Janeiro, o julgamento do habeas corpus de Rafael Braga, que ficou conhecido como o único preso nas manifestações de junho de 2013 que foi condenado.

No auge dos protestos, o morador de rua negro foi preso enquanto caminhava, próximo a uma manifestação, com uma sacola de supermercado com garrafas de desinfetante, interpretadas pela polícia e pela justiça como material explosivo. Depois de cumprir pena de prisão, ele foi detido e condenado novamente, acusado agora de tráfico de drogas, num processo no qual a principal evidência é a palavra dos policiais.

Na última terça-feira (1º), dois desembargadores negaram o pedido de habeas corpus feito pela defesa de Rafael e o terceiro pediu vista, suspendendo a sessão. De símbolo da repressão política a protestos, Rafael está se tornando também símbolo do racismo institucional da polícia.

Embora formalmente o Brasil reconheça e proteja o direito de protesto, os casos de desrespeito são numerosos. Ativistas do Bloco de Lutas de Porto Alegre seguem acusados de formação de quadrilha no contexto dos protestos de 2013 e, em Goiânia, estudantes e professores são acusados de dano qualificado e corrupção de menores por protestarem contra a privatização das escolas.

Não muito tempo atrás, tivemos também a suspensão de fato do direito de reunião, que impediu protestos durante a Copa do Mundo, e vimos a Força Nacional ser usada para coibir greve na usina de Jirau, em 2013.

Mas será que isso é mais grave do que o cotidiano de arbitrariedade e violência policial que vemos nas periferias e favelas? Podemos lembrar dos casos emblemáticos do desaparecimento de Amarildo de Souza na favela da Rocinha ou, mais recentemente, do jovem Leandro Santos, morto com marcas de tortura durante uma ação da Rota na favela do Moinho.

Não por acaso, os dois eram negros. Sessenta e sete por cento da nossa população carcerária é negra, e a taxa de prisões em flagrante de negros é duas vezes maior que a de brancos. Negros também morrem quase três vezes mais em ações policiais, ao ponto de o movimento negro ter resgatado a expressão de Abdias do Nascimento do "genocídio do negro", num sentido literal, do extermínio físico dos jovens negros.

Os dois tipos de arbitrariedade —com motivação política e com viés racial— ameaçam a democracia, mas somos mais sensíveis ao abuso quando ele é politicamente motivado, talvez porque a chance de sermos vítimas é maior. Como Rafael Braga viveu as duas situações, talvez nossa empatia possa se deslocar de um tipo de caso para o outro.


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