Folha de S. Paulo


'Reductio ad Bolsonarum' e outros equívocos da esquerda

Thais Bilenky/Folhapress
jair bolsonaro em seu gabinete na camara dos deputados Foto:thais bilenky/folhapress ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O deputado federal Jair Bolsonaro, em seu gabinete na Câmara dos Deputados

A polarização política é passional e irrefletida e faz as pessoas agirem sem estratégia. Ela já fez a esquerda entregar a luta contra a corrupção para a direita e, agora, pode ajudar a promover no campo antipetista a candidatura de Jair Bolsonaro.

Uma das características mais notáveis do campo antipetista é a sua diversidade. Ao contrário da esquerda, o antipetismo não requer dos seus aderentes qualquer tipo de credencial ou compromisso ideológico, acolhendo qualquer um que concorde com a narrativa básica de que o PT é uma quadrilha que tomou o Estado brasileiro. Esse apelo amplo, a qualquer cidadão, independente de compromissos ideológicos, numa narrativa do tipo "o povo contra as elites", é o que explica a sua força, como argumentava Ernesto Laclau em sua clássica análise do populismo.

Quando investigamos a opinião dos manifestantes antipetistas, é exatamente isso que encontramos: uma ampla diversidade cujo único amálgama é a rejeição a corrupção e ao PT. Entre eles há, sem dúvida, um pequeno grupo que lidera as mobilizações e que é consistentemente conservador ou neoliberal, mas, no conjunto, encontramos posições políticas matizadas muito mais numerosas. Em pesquisas de opinião conduzidas com os manifestantes anticorrupção e favoráveis ao impeachment de Dilma Rousseff, descobrimos, por exemplo, maiorias que defendiam os serviços públicos de saúde e educação, a previdência pública e os direitos de gays e mulheres.

A política é um campo relacional no qual as distintas posições se definem em relações mútuas de diferença e oposição. Por isso, posições políticas não são ditadas apenas pelo que dizemos ou como agimos, mas também pelo lugar no qual os adversários nos colocam com suas palavras e atos. Podemos ver isso na maneira como a Lava Jato impactou a polarização. Depois de ser implicada nos escândalos, a esquerda se fechou defensivamente, atacou os críticos e os lançou, assim, na zona de influência da direita. No mesmo gesto, colocou os remanescentes sob a égide do PT que até então parecia uma força política moribunda.

Entregar o rechaço à corrupção de presente para a direita para salvar da guilhotina as elites políticas que controlam o PT não foi o único equívoco da esquerda. Recentemente ela embarcou numa aventura ainda mais perigosa.

Uma das estratégias que tem sido utilizadas nestes tempos de polarização é desqualificar o adversário pelo que tem de pior, uma estratégia que Rodrigo Nunes apelidou de "reductio ad Bolsonarum", atualizando um trocadilho do filósofo político Leo Strauss. O artifício consiste em reduzir, para fins retóricos, toda a diversidade do campo antipetista ao seu elemento mais execrável: Jair Bolsonaro. O recurso parece útil no embate discursivo, mas é um verdadeiro desastre quando olhamos para os seus efeitos.

Ao praticar a reductio ad Bolsonarum, a esquerda contribui para viabilizar as ambições do abominável capitão do exército, amplificando o seu alcance e o impulsionando como porta-voz do antipetismo. Cada vez que a esquerda o singulariza e o ataca, o antipetismo o vê como alguém que incomoda e ameaça os petistas, o que lhe confere proeminência e liderança no seu campo. Não é exagero dizer que a esquerda o promove ao atacá-lo.

Num ambiente político polarizado e no qual o polo antipetista é diverso, o maior equívoco seria fortalecer nele o que tem de pior. Isso pode funcionar para animar a base, iludindo a militância de esquerda de que, ao combater o antipetismo, está numa missão histórica contra o "fascismo". Embora seja falso equiparar antipetismo e fascismo, o pressuposto que fundamenta a estratégia retórica pode vir a se tornar verdadeiro, numa espécie de profecia autorrealizada.

Se precisamos escolher o adversário, a atitude responsável é escolher o menos ruim, aquele que, uma vez vitorioso, nos causará menor dano. A esquerda, pelo visto, resolveu fazer o oposto.


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