Folha de S. Paulo


Manipulando o debate público no meio digital

Dado Ruvic/Reuters
Marcas do Facebook e do Twitter
Marcas do Facebook e do Twitter

Um novo documento, publicado semana passada pela equipe de segurança do Facebook, joga luz sobre algumas das estratégias que têm sido utilizadas por atores políticos para manipular o debate público no meio digital, tentando forjar tendências de opinião a partir de informações estrategicamente semeadas e difundidas por perfis falsos. Embora o documento faça menção explícita às eleições americana e francesa, esses expedientes também tem sido utilizados no Brasil —e não apenas nas eleições.

O relatório menciona o fenômeno mais conhecido dos perfis falsos do tipo robôs, os "bots" que vemos dominar o debate público no Twitter, disseminando de forma coordenada e automática mensagens políticas com o intuito de criar artificialmente "trending topics". Vimos isso acontecer recentemente na greve geral do último dia 28, quando o uso de bots operados a partir da Índia transformou a hashtag #AGreveFracassou em trending topic naquele país. Esse tipo de contas falsas que fazem postagens automatizadas também existem no Facebook, mas em grau menor. Apesar disso, apenas nas eleições francesas, 30 mil delas foram identificadas e removidas.

Além dos bots, o documento menciona as "fazendas de clicks" que vendem curtidas para inflar artificialmente a adesão às páginas de políticos ou de causas políticas, um mercado clandestino que está bem consolidado e que também parece ser utilizado por páginas políticas brasileiras, algumas das quais cresceram com velocidade suspeita.

Mas o que o relatório do Facebook aponta como mais preocupante é o uso de "personas", perfis falsos sofisticados, diretamente operados por humanos, que estabelecem vínculos com pessoas reais, participam de debates em longos períodos de tempo e tem toda a aparência de uma conta genuína. Essas personas, quando agem de forma coordenada e estratégica, podem se transformar em "amplificadores falsos", simulando uma onda de opinião espontânea que depois ganha a adesão de pessoas reais.

Agências de marketing digital vendem esse serviço no Brasil pelo menos desde 2012, tanto para políticos, como para empresas. Elas possuem funcionários dedicados a isso que administram, cada um, diversas contas simultaneamente. Esses manipuladores de personas passam o dia desenvolvendo os perfis, estabelecendo interações e vínculos com pessoas reais, além, é claro, de comentarem e postarem segundo as estratégias das campanhas.

O Facebook mapeou e categorizou algumas dessas estratégias de "desinformação" que tem sido utilizadas. Elas podem ser bem simples, tendo como objetivo difundir narrativas ou atacar uma ideia ou candidato por meio de memes ou links de sites de notícias falsas, mas elas também podem ser mais sofisticadas.

Segundo o Facebook, elas podem ser orientadas a erodir, no longo prazo, a confiança em instituições ou figuras públicas, podem ter como objetivo criar intrigas e divisões dentro do campo político adversário ou podem ainda produzir artificialmente um campo de ativismo antagônico a uma instituição ou a uma ideia, uma prática conhecida como "astroturfing".

Embora o estudo do Facebook não ilustre essas estratégias mais sofisticadas, conseguimos, por outros meios, indícios de como funcionam. Um estudo da universidade Harvard sobre a ação dos agentes governamentais chineses nas redes sociais descobriu, por exemplo, que seu principal objetivo não é fazer propaganda, mas desviar estrategicamente o foco do debate público quando um tópico incômodo emerge.

Numa reportagem de 2014, Leonardo Sakamoto mostrou como, nas campanhas políticas brasileiras, essas personas são utilizadas para infiltrar comunidades de simpatizantes de um candidato, ganhar confiança dos seus partidários, apenas para, no último momento, mudar de ideia publicamente e levar consigo um grande número de eleitores para o candidato adversário.

As mídias sociais mudaram a natureza da comunicação política, substituindo a lógica de massa, na qual há receptores passivos e um centro emissor, para uma lógica distribuída, na qual todo mundo interage, ainda que de maneira assimétrica. Neste mundo, não é mais suficiente produzir uma boa campanha com cartazes, panfletos e spots no rádio e na TV —é preciso também manipular nossa percepção do que pensam as pessoas ao nosso redor.


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