Folha de S. Paulo


Em defesa da meia-entrada

Tuca Vieira - 20.abr.2013/Divulgação
Sala do Cinesesc, na rua Augusta, em São Paulo
Sala do Cinesesc, na rua Augusta, em São Paulo

Quatro anos atrás, escrevi, com Luciana Lima, artigo no Tendências/Debates em defesa da meia-entrada estudantil ilimitada. Tramitava então um projeto de lei, em seguida aprovado e depois regulamentado, que restringia o direito à meia-entrada estudantil para 40% dos ingressos vendidos, com a promessa dos produtores de que, com a limitação, o valor dos ingressos seria reduzido em 35%.

Agora, passado pouco mais de um ano da regulamentação, descobrimos, como esperado, que o valor dos ingressos não foi reduzido e que os estudantes apenas viram ser limitado um direito. Como se vê no gráfico abaixo, no ano seguinte à regulamentação, o preço médio do ingresso de cinema em São Paulo subiu 5,3%, próximo da inflação medida pelo IPC-M de 7,7%— e não houve sinal algum da redução prometida de 35%.

VALOR MÉDIO DO INGRESSO DE CINEMA - Em R$

O sentido da lei que limitou a meia-entrada não deve ser buscado na expectativa de redução do valor dos ingressos, que era apenas uma promessa falsa, cinicamente mobilizada para vencer o debate público. O que explica a lei é o que aconteceu nos bastidores: uma barganha entre o interesse econômico de exibidores e produtores culturais e o interesse político do PCdoB, que controla as entidades estudantis e queria financiar sua política de juventude com o monopólio parcial da emissão das carteirinhas.

O direito à meia-entrada estudantil está sendo atacado de todos os lados e não só por esses atores. Ele foi tão vilipendiado que críticos liberais chegaram a cunhar a expressão "sociedade da meia-entrada" para se referir a todo tipo de privilégio corporativo do qual a meia-entrada seria uma espécie de paradigma. Nada poderia ser mais falso.

A meia-entrada estudantil é uma forma de subsídio cruzado por meio do qual quem tem mais renda subsidia quem tem menos renda. Cerca de 40% dos jovens até 24 anos não trabalham e aqueles que trabalham ganham cerca de um terço do que ganham os adultos, como se vê no gráfico abaixo. Assim, os adolescentes e os jovens em idade universitária ou ganham mesada e sua renda é uma parcela muito pequena daquela dos pais; ou trabalham, mas ganham muito pouco. Como estão em idade de formação educacional e cultural e tem pouco dinheiro, faz muito sentido que os adultos subsidiem suas atividades culturais por meio da meia-entrada.

PERFIL DA POPULAÇÃO -

Diferentemente do que dizem os críticos, a meia-entrada não é uma política pública financiada com a carteira dos empresários. Não são os produtores de shows nem os exibidores de cinema que financiam a meia-entrada: quem financia a meia-entrada são os consumidores adultos. O sentido do benefício é que o montante das meias-entradas seja estimado e compensado, diluído nos ingressos cheios dos adultos, de maneira que aqueles que tem mais renda subsidiem o acesso à cultura dos mais jovens que têm menos renda.

Por algum motivo, empresários lutam com todas as forças para por fim ao direito. Quando não estão em campanha para cancelá-lo ou reduzi-lo no Congresso, fazem o possível para sabotá-lo na prática concedendo meias-entradas para tantos outros grupos que elas se tornam, de fato, entradas cheias.

Uma questão totalmente diferente e uma queixa procedente são as fraudes. Elas existem, são abusivas e desvirtuam o sistema, mas podem ser combatidas de maneira muito mais eficaz do que a solução encontrada de conceder o monopólio da emissão das carteirinhas para um sindicato estalinista e limitar o direito à meia-entrada a quem chega primeiro na bilheteria.

A concessão do direito à meia-entrada por idade (por exemplo, para todos os que têm menos de 24 anos) praticamente poria fim às fraudes, já que é mais difícil fraudar uma carteira de identidade do que uma carteira estudantil, e o controle de idade pode ser complementado por uma verificação visual simples.

O engodo de que fomos vítimas —a promessa de que a limitação de um direito iria trazer benefícios no futuro, na forma da redução do preço dos ingressos— deveria servir de alerta para outros engodos que estão sendo ofertados no mercado das promessas políticas: uma dessas promessas, vendida há pouco aos brasileiros, garantia que criando um teto para os gastos do Estado sobraria mais dinheiro para os serviços públicos de saúde e educação; outra, que está sendo agora oferecida, garante que apenas se os pobres aceitarem trabalhar até a velhice tardia, deixando como está o privilégio dos intocáveis, poderemos assegurar que o sistema previdenciário ainda exista no futuro.


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