Folha de S. Paulo


Diretas já!

Daniel Marenco - 24.jul.2014/Folhapress
SAO JOAO DE MERITI, RJ, BRASIL, 24-07-2014, 20h30: A presidente Dilma Roussef participa de encontro de campanha do governador do Rio, Luiz Fernando Pezao, o vice-presidente da republica, Michel Temer, o prefeito do Rio, Eduardo Paes e outras liderancas politicas na churrascaria Oasis, em Sao Joao de Meriti. (Foto: Daniel Marenco/Folhapress, PODER)
Dilma Roussef em campanha no Rio com Michel Temer

Nesta semana, o presidente Michel Temer pode ser cassado num julgamento do TSE no qual a chapa Dilma-Temer é acusada de abuso econômico nas eleições de 2014. Embora especialistas afirmem que o relatório do ministro Herman Benjamin está muito bem fundamentado e que a tendência, do ponto de vista jurídico, é a de que haja a cassação, a perspectiva iminente não tem entusiasmado os brasileiros que em sua ampla maioria rejeitam o governo do presidente.

Três motivos, a meu ver, explicam a falta de ânimo. O primeiro deles diz respeito ao diversionismo promovido pelas principais forças políticas que, por motivos diferentes, parecem estar convencidas de que é do interesse de cada uma delas postergar a disputa presidencial para 2018. O segundo, diz respeito ao receio de que pedidos de vistas e manobras protelatórias da defesa jogarão a decisão final do TSE para tão perto das eleições de 2018 que a cassação não fará mais sentido. Por fim, há ainda o argumento definitivo de que a Constituição Federal parece indicar que, uma vez cassado o mandato de Temer, sejam convocadas eleições indiretas na qual a indicação do novo presidente caberá não aos eleitores, mas ao Congresso Nacional – e não a qualquer Congresso Nacional, mas a esse Congresso que conhecemos.

A princípio, parece muito claro o texto da Constituição que diz, no seu artigo 81, que "vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga." Em seguida, especifica que "ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial," a eleição deverá ser feita "pelo Congresso Nacional, na forma da lei". O texto não parece deixar dúvidas: se a vacância acontecer nos dois últimos anos do mandato (no caso de Temer, a partir de 2017), a eleição não é mais direta, mas indireta, pelo Congresso.

Apesar disso, a mini-reforma eleitoral de 2015 estabeleceu no art. 224 do Código Eleitoral que quando houver "indeferimento do registro, a cassação do diploma ou a perda de mandato de candidato eleito em pleito majoritário" deve haver eleição "indireta, se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses do final do mandato" e "direta, nos demais casos". Assim, se prevalecer o Código Eleitoral e o mandato do presidente Temer for cassado até seis meses antes do fim, haverá eleições diretas.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot considerou essa mudança no Código inconstitucional e ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), uma espécie de solicitação para que o Supremo reconheça que a modificação não tem validade porque viola a Constituição. A relatoria é do ministro Roberto Barroso.

Uma outra saída para o aparente conflito foi proposta pela Clínica de direitos fundamentais da UERJ, coordenada pelo professor Daniel Sarmento, que incluiu na ADI um amicus curiae, uma colaboração com a corte, na qual discorda da interpretação do procurador-geral e defende de maneira meticulosa e muito bem fundamentada que se tratam na verdade de duas circunstâncias diferentes: o prazo de dois anos para eleições indiretas da Constituição se aplica quando o mandato se interromper por causas não eleitorais, como morte, renúncia ou impeachment —neste caso, as eleições foram válidas, mas fatos posteriores interromperam o mandato; já o prazo mais curto que é descrito no Código Eleitoral se aplica quando a eleição foi considerada inválida e se entende que o povo não pode exercer devidamente a sua soberania, como no caso do abuso de poder econômico de que a chapa Dilma-Temer é acusada. Se prevalecer essa interpretação e o presidente Temer tiver o mandato cassado até seis meses antes do término, haverá então eleições diretas.

O horizonte de cassar o mandato do presidente Michel Temer por abuso do poder econômico e substituí-lo por meio de eleições diretas é uma possibilidade importante demais e factível demais para estar sendo tão pouco discutida.

No seu curto mandato, Temer tem atropelado direitos da cidadania, aproveitando que ascendeu por meio de um impeachment e que sua agenda pode ter uma origem alheia ao processo eleitoral. O julgamento da cassação da chapa Dilma-Temer que acontece essa semana no TSE e o julgamento da ADI 5525 que aguarda ser colocada em votação pela ministra Cármen Lúcia, podem, juntos, restabelecer o direito dos brasileiros à eleição direta para presidente e, com ele, algum tipo de controle popular sobre os atos do Executivo que parecem hoje descolados de qualquer compromisso com os eleitores.


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