Folha de S. Paulo


Eventuais falhas da Lava Jato não podem colocar em risco seu benefício

Geraldo Bubniak/AGB/Folhapress
Delegados detalham a 42ª fase da Operação Lava Jato na sede da PF, em Curitiba, que prendeu Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras
Delegados detalham a 42ª fase da Operação Lava Jato na sede da PF, em Curitiba

O depoimento de Antonio Pallocci, atribuindo ao ex-presidente Lula o comando do ataque aos cofres da Petrobras para viabilizar a eleição de Dilma Rousseff, e a denúncia do Procurador Geral da República, colocando o atual presidente no centro de uma organização criminosa, que opera no campo da venda de atos legislativos, contratações públicas e acesso a recursos da comunidade, como o FAT, dão uma dimensão do estado de degradação de nosso corpo político.

Como era de se esperar, as reações de envolvidos, investigados e denunciados têm sido virulentas, questionando não apenas a integridade da operação, como também os seus eventuais benefícios para a sociedade. Moralista, seletiva, messiânica, persecutória e irresponsável são apenas alguns dos adjetivos atribuídos às operações. De fato, algumas ações dos agentes de aplicação da lei, como vazamentos, escutas ilegais, extensão desnecessária de prisões processuais, culminando com uma obscura participação de membro do Ministério Público no acordo de delação hiperpremiada de Joesley Batista, são intoleráveis. Por isso devem ser anuladas e os responsáveis devidamente punidos.

Devemos, no entanto, tomar muito cuidado para não jogar o bebê com a água do banho. O julgamento do Mensalão, assim como a operação Lava Jato, com todas as suas deficiências, estão impondo, aos trancos e barrancos, um novo paradigma na condução dos negócios públicos no país. Sua natureza disruptiva vem colocando em xeque não apenas um padrão perverso de aplicação da lei, que há séculos assegura a mais ampla impunidade a poderosos de todos os gêneros, como também um modelo preguiçoso, cruel e ineficiente de capitalismo que faz do contribuinte, especialmente os mais pobres, as amas de leite de Eikes, Marcelos e Joesleys, assim como da camarilha que lhes serve dos palácios da República. Assim as eventuais falhas dessas operações, que devem ser sanadas, não podem colocar em risco os benefícios civilizatórios desse movimento de universa- lização do governo das leis.

Se não devemos tolerar que a lei seja violada em nome do combate à corrupção, como corretamente fazem os que advogam em defesa de investigados e réus nessas operações, também é inaceitável que flagrantes afrontas ao processo democrático e atentados ao patrimônio público fiquem impunes, em nome de uma pretensa governabilidade e recuperação econômica.

Numa semana onde até bombeiros, símbolos máximos de altruísmo em qualquer sociedade, e um reitor de uma importantíssima universidade federal foram presos por atentarem contra o patrimônio público, deve ficar claro a todos que a capitulação no combate à corrupção só interessa àqueles que, desde a chegada dos primeiros emis- sários da coroa portuguesa ao Brasil, no século 16, vêm drenando as forças da sociedade brasileira.

É surpreendente que depois de todos esses escândalos, investigações e condenações continuemos a conviver com os cadáveres de lideranças partidárias que, paradoxalmente, parecem gozar de invejável vitalidade para se proteger e não arredar o pé da cena do crime, tomando emprestado os termos empregados pelo grande escritor catalão Manuel Vazquez Montalban, para expressar seu sentimento nos últimos dias do franquismo.


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