Folha de S. Paulo


A esperança é que a opinião pública recobre a capacidade de diálogo

Rubens Valente - 24.mai.17/Folhapress
Fogo na área do Ministério da Agricultura em dia de protesto contra governo Temer em Brasília
Fogo na área do Ministério da Agricultura em dia de protesto contra governo Temer em Brasília

A hipótese de uma eleição indireta para a substituição de Michel Temer (PMDB), como determina o artigo 81 da Constituição, se apresenta cada dia mais plausível, graças à crescente sordidez da política brasileira. Para uma democracia que foi plantada pelo movimento das Diretas-Já, nos anos 1980, retornar ao colégio eleitoral confirmará nossa regressão. O fato de Aécio Neves (PSDB) ser um dos coveiros da democracia que seu avô ajudou a conceber é apenas uma tragédia familiar dentro do drama político maior que hoje vivemos.

Confirmado esse quadro, serão 594 eleitores congressuais, motivados pelos seus próprios interesses, mas também pressionados por três grandes tendências: a do mercado, que até agora deu sustentação ao governo Temer, fechando os olhos às suas mazelas e lutando sempre pela proteção de seus privilégios; a da igualdade que, paradoxalmente, deixou-se capturar pelos interesses das corporações, favorecendo a manutenção das desigualdades; e, por fim, as forças pró-integridade, forjadas na luta contra a corrupção, mas que volta e meia parecem se esquecer que fora da lei não há integridade a ser protegida.

A esperança é que, nas próximas semanas, a opinião pública, que a partir das eleições de 2014 e do impeachment tornou-se profundamente polarizada e dominada por uma retórica intransigente, consiga recobrar certa racionalidade e capacidade de diálogo. Depois de tudo a que fomos expostos, perdem força discursos maniqueístas. A Lava Jato não mais pode ser vista como uma grande conspiração voltada a liquidar apenas a esquerda e seu grande líder. As investigações se tornaram amplas, gerais e irrestritas. Da mesma forma, a acusação de que todos os males do Brasil, em especial a corrupção, eram monopólio da esquerda não para mais de pé.

Nesse contexto, a saída da crise não pode passar por um acordão, voltado a livrar a cara dos que participaram dessa grande orgia com o dinheiro público, deixando a conta para os mais pobres. Mais do que indesejável, seria arriscado, podendo desaguar em violência e fechamento do regime.

A única alternativa parece ser uma concertação pública e transparente entre as diversas forças democráticas da sociedade em torno de algumas premissas básicas, como:

- A preservação da democracia, com o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, para que possamos ter eleições mais limpas e representativas em 2018;

- A garantia da continuidade das investigações e da responsabilização daqueles que cometeram crimes contra a democracia e o patrimônio público, com a devida contenção dos eventuais abusos dos agentes da lei;

- A concentração dos esforços na construção de consensos em torno das reformas voltadas a gerar crescimento e colocar fim a privilégios, sem o que não haverá melhoria das condições sociais, deixando para 2018 o grande debate sobre o destino de nosso ensaio social democrata;

- A irredutibilidade dos direitos dos grupos mais vulneráveis.

Não parece fácil, na atual conjuntura, encontrar lideranças políticas, institucionais, sociais e econômicas à altura desse desafio. Mas a oportunidade está colocada.

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Parabéns a Patricia Bezerra e Thiago Amparo por renunciarem a um governo que afronta os direitos humanos. Fazer política com dignidade é possível.


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