Folha de S. Paulo


Depois de três anos de turbilhão, é difícil saber qual o legado da Lava Jato

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 15-03-2017, 14h00: Sessão plenária do STF (Supremo Tribunal Federal). A ministra Carmen Lucia preside sessão. O Procurador Geral da República (PGR) Rodrigo Janot entregou ontem os pedidos de inquéritos no âmbito da operação Lava jato, cujo relator é o ministro Edson Fachin. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O Procurador Geral da República, Rodrigo Janot (dir.), com o relator da Lava Jato, Edson Fachin

Dada a natureza conciliatória de nossa cultura política, como foi possível à Operação Lava Jato desafiar e mesmo desestabilizar um modelo de corrupção partidária e captura do Estado há muito "reinante" na política brasileira? De onde vem a sua força?

Penso que a Operação Lava Jato seja consequência de um processo lento e incremental, embora assimétrico, de transformação da sociedade, das instituições e do próprio direito brasileiro.

Esse processo se iniciou com a ampliação da autonomia e prerrogativas das instituições de aplicação da lei, pela Constituição de 1988. Impulsionados pela dinâmica democrática, muitos novos juízes, procuradores e delegados, passaram a colocar a sua ambição não apenas a serviço da obtenção de privilégios corporativos, mas também investiram sobre o controle das demais instituições. Com isso começamos a nos afastar da ideia de que os poderes devem ser "independentes e harmônicos" e passamos a viver num sistema onde a "tensão" entre os poderes é uma constante.

O segundo evento que impulsionou a Operação Lava Jato foram as manifestações de 2013, por meio das quais a sociedade brasileira se demonstrou menos tolerante com a corrupção, com a falta de qualidade da representação e com a incapacidade do Estado em prover os serviços públicos essenciais. Ainda que essas manifestações tenham sido marcadas por fortes conflitos ideológicos e oportunistas, especialmente por aqueles que hoje se veem na mira da Lava Jato, elas terminaram por legitimar as instituições de aplicação da lei.

A resposta imediata a essas manifestações, concedidas pela acuada presidente Dilma Rousseff (PT), foi um conjunto de medidas legislativas que reforçaram a operação. A Lei de Acesso à Informação, assim como a lei anticorrupção, e em especial a ampliação dos mecanismos de delação premiada, inscritos na Lei de Organizações Criminosas, conferiram às instituições de aplicação da lei ferramentas poderosíssimas na luta contra um tipo muito específico de delinquência sistêmica, pautada no conluio entre agentes públicos e corporações privadas, que dificilmente pode ser combatido com os mecanismos tradicionais do direito penal.

O impulso final foi dado pelo STF, ao autorizar a execução provisória das sentenças condenatórias de segunda instância, esvaziando a expectativa de muitos investigados e réus de que poderiam arrastar seus processos por anos ou décadas, até que obtivessem a prescrição ou mesmo a absolvição.

Ao próprio Supremo retorna agora a responsabilidade por dar curso à operação. Trata-se de um processo muito mais complexo que o mensalão, assim como de um tribunal muito mais dividido, polarizado e desgastado do que aquele que julgou José Dirceu. Sua reputação, mais do que nunca, está em jogo.

Depois de três anos de turbilhão político, jurídico e institucional, que levou à prisão ex-governadores, senadores, deputados e ícones do nosso "capitalismo", além de contribuir para um duro processo de impeachment, é difícil saber qual será o legado da operação Lava Jato. Prevalecerá o impulso em direção a consolidação de um sistema jurídico mais robusto e imparcial, ou triunfará a força de nossa tradição conciliadora e patrimonialista, onde a lei é apenas um mal-entendido?


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