Folha de S. Paulo


Ativismo judicial?

Pedro Ladeira - 28.set.2016/Folhapress
Sessão do Supremo Tribunal Federal
Sessão do Supremo Tribunal Federal

Nas últimas semanas têm crescido as críticas, especialmente por parte de economistas, a um pretenso ativismo judicial de nossos magistrados. Minha impressão é que essas críticas estão muito mais associadas ao descontentamento com o conteúdo de determinadas decisões, que eventualmente desatendem determinados interesses do mercado, do que propriamente a uma análise mais detida sobre ter ou não o Judiciário avançando sobre esferas que não lhe foram atribuídas.

Duas são as posturas institucionais essenciais que pautam a conduta de distintos magistrados e cortes ao redor do mundo democrático, que têm sob sua responsabilidade interpretar cláusulas abertas da Constituição, como bem comum, dignidade, interesse público ou mesmo liberdade. A primeira é a deferência. A segunda, a responsividade.

A deferência é a postura institucional pela qual o Judiciário demonstra alto grau de respeito às decisões legislativas e administrativas, por entender que o sistema constitucional atribui prioridade às autoridades eleitas para realizar escolhas sobre as melhores políticas e mesmo sobre questões de princípio, que governarão a vida de toda a sociedade. A postura deferente é aquela que mais se concilia com uma democracia de caráter majoritário, na qual o grau de confiança do cidadão no seu representante é bastante grande. Não se deve confundir deferência com sua forma degenerada, que é a omissão, que decorre da simples falta de autonomia das instituições jurídicas em face do poder.

A responsividade, por sua vez, está associada à ideia de que o Judiciário deve estar envolvido, ainda que subsidiariamente, na tarefa de responder às promessas criadas pela Constituição ou pela legislação. Essa postura, por sua vez, é mais comum em democracias consensuais, como a nossa. Assim, se a Constituição estabelece inúmeros direitos que os legisladores ou administradores se negam a implementar, não pode o Judiciário se omitir, contribuindo para fraudar a vontade constitucional. Da mesma forma, se a maioria eventual resolve atacar a minoria, não pode o Judiciário se abster. Isso não é ser ativista. O ativismo somente ocorre quando o magistrado se afasta daquilo que estabelece a Constituição para impor as suas próprias concepções de mundo aos jurisdicionados.

O que muitos parecem não compreender é que foi a Constituição de 1988, ao estabelecer um amplo e ambicioso conjunto de direitos e conferir ao Judiciário a responsabilidade última por protegê-los, quem determinou que o sistema de Justiça brasileiro assumisse uma postura mais responsiva.

Ao confundir responsividade com ativismo, os críticos parecem querer que os magistrados substituam os padrões normativos a que estão submetidos por uma racionalidade econômica, que entendem ser a mais eficiente. Ocorre que nem sempre o correto juridicamente coincide com o que alguns consideram economicamente mais eficiente.

Estamos vivendo um claro momento de regressão constitucional. É natural que aqueles que possam oferecer alguma resistência às mudanças pretendidas sejam atacados. O mantra do ativismo judicial serve à tarefa, ainda que essa não seja a crítica mais coerente que se possa fazer ao Judiciário brasileiro.


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