Folha de S. Paulo


Senhor de seus juízos

O pedido formulado pelo procurador-geral da República para que o Supremo Tribunal Federal decrete a prisão de ninguém menos do que José Sarney, Renan Calheiros, Romero Jucá e o já combalido Eduardo Cunha lançou, mais uma vez, sobre os ombros do Supremo, a responsabilidade de mover peças importantes no tabuleiro da política.

Esse pedido, por si só ambicioso, foi embalado pelo vazamento de um conjunto de gravações, em que os personagens acima citados dão claros indícios de seu desconforto com a Operação Lava Jato, assim como demonstram disposição de tentar conter o ímpeto desta operação, especialmente no que se refere aos danos que podem recair sobre cada um. Pelas conversas que se tornaram públicas, não há nenhuma surpresa e, eventualmente, nenhum delito. O que não significa que o procurador-geral não possa dispor de outras informações sigilosas que, de fato, indiquem a necessidade da prisão.

A questão que se coloca é como o Supremo Tribunal Federal irá reagir, de um lado, a esse tipo de litigância estratégica, que não apenas escolhe o momento para baixar suas cartas, mas que também busca mobilizar a opinião pública para respaldar os seus pleitos, e, de outro, a uma constante tentativa espúria de buscar influenciar seus julgamentos.

Afora os vazamentos, que são por definição ilegais (e que se deve apurar os responsáveis), as demais escolhas estratégicas são parte legítima do jogo, ainda mais quando suspeitos, indiciados e réus não devem ter subestimada a capacidade de manipular as instituições em seu benefício. Afinal, não seria por outro motivo que se tornaram "donos do poder".

Embora o Supremo tenha um problema crônico de falta de transparência na montagem de sua agenda –o que permite que determinados casos fiquem anos aguardando julgamento, enquanto outros são sentenciados em tempo recorde, sem que haja quaisquer justificativas plausíveis para isso– na presente circunstância o Tribunal deve tomar cuidado redobrado para que sua jurisdição não seja objeto de qualquer tentativa de manipulação. Para isso, dispõe de algumas ferramentas chamadas de "virtudes passivas", que lhe permitem definir o que deve ou não deve julgar, assim como quando deve julgar.

O Supremo tem motivos e mecanismos para não se deixar capturar por interesses ilegítimos daqueles sobre os quais recai a sua jurisdição. Sua autoridade decorre, sobretudo, de sua reputação. Essa é alcançada pela sua capacidade de demonstrar, ao longo do tempo, que a Corte é uma instituição imparcial, que suas decisões representam a melhor interpretação daquilo que lhe determina a Constituição e, também, de que a Corte não utilizará de seu poder de dar a última palavra para usurpar função alheia.

Os instrumentos para preservar sua reputação são a colegialidade, a transparência, a discrição e a consistência jurídica de suas decisões, mas também a capacidade de se proteger de algumas armadilhas. Quando os interesses e as paixões políticas se encontram exacerbados, ao Tribunal cumpre deixar claro que não permitirá ser conduzido por aqueles que manifestam a intenção de interferir ilegitimamente no resultado de seus julgamentos. Caso não queira ver sua autoridade tragada pela crise, o Supremo precisa reafirmar ser senhor de seu tempo e, especialmente, de seus juízos.


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