Folha de S. Paulo


Impeachment e a democracia

Três são as funções do impeachment numa democracia presidencialista. A primeira delas é criar um incentivo para que o presidente eleito não abuse de seu poder, sob o risco de se ver destituído do cargo. O impeachment se apresenta como uma radical ferramenta do sistema de separação de poderes a deixar claro que a legitimidade para o exercício do poder exige, além do voto, a submissão ao direito.

A segunda função do impeachment é criar um desincentivo a golpes e atentados contra o chefe do Executivo, por forças políticas de oposição. A existência de um meio constitucional para a deposição de um presidente que abuse de seu poder torna ilegítima qualquer tentativa violenta de interrupção do mandato presidencial.

A terceira função do processo de impeachment é qualificar o debate público e corresponsabilizar a sociedade e o Poder Legislativo pela definição dos padrões legais e éticos que devem pautar o exercício do poder presidencial. Dadas as enormes dificuldades estabelecidas pelo procedimento do impeachment para a destituição de um mandatário eleito pelo voto popular, questões irrelevantes ou mesmo temas fundamentais, se promovidos por grupos minoritários, têm pouca chance de prosperar. Ainda assim, a possibilidade de veiculá-los por intermédio de impeachment vale, pois impõe aos que apoiam o governo refletir e se corresponsabilizar pelo modo como o poder é exercido.

O impeachment, nesse sentido, é uma peça fundamental para o bom funcionamento das democracias constitucionais que optaram pelo presidencialismo, ainda que como prenúncio, como ameaça.

Embora o impeachment não se confunda com o voto de desconfiança do regime parlamentarista, pois no impeachment há a exigência de uma justa causa, ambos são a expressão de um sistema de freios e contrapesos, pelo qual o Executivo se vê controlado pelo Legislativo e pela opinião pública.

A diferença é que tendo o chefe do Executivo sido eleito pelo povo e não pelo parlamento, no presidencialismo a sua destituição deve ser muito mais difícil. No Brasil deve estar fundada num crime de responsabilidade, passar por diversas etapas processuais, e ser aprovada por dois terços, nas duas casas do Congresso Nacional.

Ao parlamento cumpre determinar se há justa causa (razão jurídica) e se essa é suficiente para determinar a destituição do chefe do Executivo (razão política). No caso do ex-presidente dos EUA Bill Clinton, a justa causa –perjúrio num processo judicial por abuso sexual– não se mostrou razão política suficiente para que o Senado destituísse o presidente.

No caso de Collor, o Senado brasileiro entendeu que diversas condutas do ex-presidente configuravam justa causa e razão política suficiente para destituí-lo do cargo.

O processo de impeachment em curso, embora previsto na Constituição, tem se demonstrado bruto, de lado a lado, dado o fato de que parte dos políticos responsáveis por tomar a decisão foi flagrada no mesmo escândalo que conspurca o Executivo. PT e PMDB, agora em litígio, são sócios nesse projeto de poder. Os custos de conviver com uma ou outra decisão será enorme, mas imperativo. No horizonte há o TSE e a expectativa de novas eleições. Mas esse, eventualmente, será um assunto para uma próxima coluna.


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