Folha de S. Paulo


Terrorismo

A Câmara dos Deputados está prestes a votar, em regime de urgência, o projeto de lei 2016/15, que define os crimes de terrorismo. Apesar da brutalidade desta última sexta-feira, o Congresso não deveria aprová-lo, tal como se encontra. Primeiro porque todas as condutas relevantes num ato de terrorismo já se encontram criminalizadas no Brasil.

Além do mais o projeto é inconstitucional, pois ameaça, de uma só vez, o princípio da estrita legalidade penal, como também os direitos à liberdade de associação, de manifestação e de expressão. E nada disso é bom para a democracia.

O primeiro problema do projeto é a forma como define o crime de terrorismo. Pela versão aprovada pelo Senado, constitui terrorismo "atentar contra pessoa, mediante violência ou grave ameaça, motivado por extremismo político (...)", definido como "ato que atentar gravemente contra a estabilidade do Estado Democrático".

O problema é que os termos que definem o crime são extremamente amplos, o que favorecerá interpretações subjetivas e arbitrárias por parte das autoridades.

Para alguns, promover o impeachment é um ato que atenta contra a democracia. Para outros, invadir um prédio público pode ser visto como "extremismo".

A questão é agravada, no entanto, pela longa lista de condutas consideradas equiparáveis à prática de terrorismo, como causar "inundação", "apoderar-se" de "rodovia" ou de "escola", ou "embaraçar serviço (...) informático.".

Embora figuras típicas equiparadas devam estar rigidamente submetidas às determinações do tipo principal, no Brasil, muitas vezes, elas ganham uma perigosa autonomia. Nesse sentido, corre-se o risco que jovens que se "apoderam" de uma "escola", demonstrando "extremismo político", possam ser considerados terroristas.

A imperícia legislativa não termina aí. Segundo o texto, também comete crime aquele que "aliciar", "juntar" ou "de qualquer maneira organizar (...) indivíduos para a prática de terrorismo."

Da mesma forma incorre em crime aquele que, "de qualquer modo", contribuir, "direta ou indiretamente", com indivíduo ou grupo que pratique, ainda que em "caráter eventual", um ato de terrorismo.

Logo, se você doou para uma organização ambientalista -ou mesmo pagou seu dízimo- e essa instituição, ou alguns dos seus membros, sem o seu conhecimento ou consentimento, vier a praticar um ato considerado terrorista, você está lascado. A imprecisão verbal e a falta de distinção rigorosa entre fatos puníveis ferem mortalmente a integridade da lei penal.

Não se pode ser leniente com qualquer atentado à vida ou mesmo à democracia. Não há terrorismo do bem. O que a versão desvirtuada pelo Senado promove, no entanto, é a castração de liberdades.

Tenho certeza de que os ministros Joaquim Levy e José Eduardo Cardoso, que patrocinaram o anteprojeto de lei original, não compactuam com o texto criado no parlamento. Como não parece haver qualquer ameaça iminente de um ataque terrorista no Brasil (e, se houvesse, a conduta já se encontraria criminalizada), seria prudente à Presidente retirar o pedido de urgência, para que a questão pudesse ser debatida com mais serenidade pelo Congresso e pela sociedade.

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Este artigo já havia sido enviado ao jornal quando tomei conhecimento do atentado terrorista de Paris.


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