Folha de S. Paulo


Janot e as ruas

Collor não tem nenhum motivo para gostar de procuradores-gerais da República. Afinal, não é a primeira vez que lhe pegam no pulo. Ofender a mãe de Rodrigo Janot, da tribuna do Senado, no entanto, dificilmente contribuirá para mudar o seu destino: ser denunciado ao Supremo Tribunal Federal.

Além de Collor, outros 12 colegas de Senado, entre os quais o próprio presidente Renan Calheiros, também vêm sendo objeto de investigações por parte da Procuradoria da República. Importante lembrar que apuração é uma coisa, culpa é outra.

O problema é que a confirmação de Rodrigo Janot para um período de mais dois anos à frente da Procuradoria Geral da República depende de aprovação do plenário do Senado Federal, após sabatina na Comissão de Constituição e Justiça, onde nada menos do que 8 dos 23 senadores são objeto de investigações do Ministério Público.

Isso significa, paradoxalmente, que os investigados e potenciais réus da Lava Jato poderão interferir no destino daquele que os investiga e eventualmente os processará.

Não há prazo determinado para a sabatina ou para a deliberação do plenário. Esse modelo de nomeação, inspirado no norte-americano, dá ao Senado uma certa liberdade para postergar a deliberação. Apenas a título de ilustração, o Senado dos Estados Unidos demorou mais de cem dias para deliberar sobre a indicação de Loretta Lynch para o cargo de secretária de Justiça, realizada por Barack Obama.

Caso manobras parlamentares busquem retaliar Rodrigo Janot, retardando o processo de confirmação de seu nome, assumirá interinamente Eitel Santiago, subprocurador-geral da República.

Impressionante como em momentos de crise o imponderável, a " fortuna", no dizer de Maquiavel, sempre quer desempenhar o papel principal.

Os senadores, no entanto, não deveriam se animar muito com a possibilidade de procrastinar o processo de definição do novo procurador-geral. É sempre bom lembrar que um dos poucos temas que alcançaram enorme consenso nas manifestações de junho de 2013 foi o da famosa PEC 37.

Para quem não se lembra, a PEC 37 tinha por objetivo restringir os poderes de investigação do Ministério Público. Ficou batizada como "PEC da Impunidade". E foi fulminada após milhares de pessoas irem às ruas para lutar pela prerrogativa do Ministério Público em levar a cabo investigações.

Difícil dizer o que ocorreria se o Senado, ou alguns de seus membros, fossem flagrados tentando acuar o procurador-geral ou tolher a continuidade das investigações da operação Lava Jato.

A presidente Dilma percebeu muito rapidamente o potencial explosivo de claudicar nessa nomeação e, surpreendentemente, em menos de 24 horas, encaminhou o nome de Janot ao Senado. Dessa forma, não pode ser acusada de embaraçar as investigações.

Rodrigo Janot, assim como seus antecessores mais recentes, tem sido um agente público discreto, mas muito eficiente. Se não podemos nem devemos esperar que a polícia, o Ministério Público ou mesmo o Judiciário busquem substituir a autoridade democrática, é reconfortante constatar que estão cumprindo sua função: aplicar a lei.


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