Folha de S. Paulo


A luta pelo Direito

O Conselho Federal da OAB se reúne neste domingo, em caráter extraordinário, para deliberar sobre o novo código de ética e disciplina da advocacia. Um dos temas de interesse da sociedade refere-se à advocacia "pro bono"; aquela realizada de forma gratuita para pessoas e organizações que não podem custear os honorários de um advogado.

A advocacia gratuita, de caráter humanitário ou de interesse público, compõe nossa tradição jurídica pelo menos desde meados do século 19. Podemos considerar Luís Gama o fundador da advocacia "pro bono" no Brasil.

Filho de escrava e de comerciante português, Luís Gama estabeleceu a mais extensa, original e eficiente rede de defesa jurídica que se tem notícia na história brasileira. Seu objetivo: libertar escravos, a partir das brechas jurídicas abertas pela proibição do tráfico negreiro e pela Lei do Ventre Livre.

Essa tradição de advocacia altruísta vem sendo carregada, de geração em geração, por nossa comunidade jurídica. Rui Barbosa e Evaristo de Morais, na Primeira República, Sobral Pinto e Evandro Lins e Silva, durante o Estado Novo, José Carlos Dias e Rosa Cardoso, no período militar, são apenas exemplos dos inúmeros advogados que fizeram da defesa graciosa de pessoas vulneráveis parte de suas ricas trajetórias profissionais.

Com a explosão de novos cursos de direito na década de 90 e a chegada de milhares de advogados ao mercado todos os anos, o que era nobre passou a ser visto com desconfiança. Como se a advocacia voluntária de interesse social fosse capaz de roubar postos no mercado daqueles que lutam para subsistir. Restrições foram estabelecidas, especialmente no que se refere ao atendimento de pessoas físicas.

Em 2013, felizmente, o Conselho Nacional da OAB suspendeu liminarmente essas restrições. Tem agora o desafio de conceber novas regras para a prática da advocacia "pro bono" num país que, embora democrático, é profundamente desigual e injusto.

O fato é que as Defensorias Públicas, que realizam um trabalho hercúleo, não têm a dimensão necessária para atender a enorme demanda. Segundo dados do Ipea, apresentados em 2013, são menos de 6.000 defensores públicos em todo o território nacional, para atender um potencial contingente de 40 milhões de pessoas que ainda vivem em pobreza, sendo que, destes, 16 milhões encontram-se em situação de pobreza extrema. Em 72% das localidades que possuem juízes, os mais vulneráveis não têm assegurado o seu direito de acesso à Justiça por falta de um defensor público.

Não deixa de ser paradoxal que, no país com a segunda maior população de advogados do mundo, tantas pessoas estejam excluídas do Estado de Direito.

A OAB tem feito louváveis esforços para suprir essa enorme carência. Da mesma forma, muitas advogadas e advogados, individual ou coletivamente, têm dado a sua contribuição voluntária para superar as nossas múltiplas esferas de profunda e persistente desigualdade. Os trabalhos do Instituto Pro Bono e do Instituto de Defesa de Direito de Defesa são exemplo disso.

Os conselheiros federais da OAB terão amanhã uma excelente oportunidade para reafirmar o compromisso da advocacia com a luta pelos direitos dos setores mais vulneráveis de nossa sociedade, habilitando definitivamente a advocacia "pro bono" no país.


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