Folha de S. Paulo


Guantánamo no limbo

O aperto de mãos entre Raúl Castro e Barack Obama na última Cúpula das Américas, no Panamá, aponta para a superação de um conflito de mais de 50 anos –com dramático impacto negativo sobre o povo cubano. Espera-se que indique também o início de um processo de abertura do regime político cubano e a interrupção de práticas violadoras de direitos humanos de dissidentes cubanos.

Embora no encontro dos líderes das Américas muito tenha se falado sobre direitos humanos na ilha, quase nada foi dito sobre a prisão de Guantánamo.

Localizada em território cubano, a prisão de Guantánamo vem sendo utilizada pelo governo norte-americano, desde 2002, para prender e interrogar homens considerados terroristas no pós 11 de Setembro de 2001.

A prisão acumula hoje um histórico de graves abusos e ilegalidades. De detenções arbitrárias e indefinidas à falta de acesso à Justiça, passando por torturas físicas e mentais. Esse "enclave de exceção", em que prisioneiros ficam à margem de qualquer garantia jurídica, constitui um vergonhoso episódio na história da democracia constitucional norte-americana.

Conforme dados apresentados pela American Civil Liberties Union (ACLU), grande parte desses homens que passaram ou ainda estão presos em Guantánamo nunca deveria ter sido levada à ilha. Acredita-se que cerca de 80% tenham chegado à base após serem vendidos ao Exército americano, sobretudo pelo Exército do Paquistão, em troca de recompensas financeiras.

Dos cerca de 800 homens e adolescentes (de 13 a 89 anos) que ali estiveram, hoje permanecem 122. Quase metade desses homens, 57 para ser exato, já foi considerada por um painel que congrega diversos órgãos do governo americano como "não representando risco algum à segurança dos EUA". Contra eles nunca pesou e nunca pesará queixa criminal alguma. Segundo o governo americano, estão "cleared for release".

Dos demais, 34 ficarão mantidos em detenção indefinida, ainda que nunca tenham sido ouvidos por uma corte. Outros 7 estão sendo julgados por tribunais militares, em processos que pouco dialogam com as exigências do devido processo legal em um Estado de Direito. Os 24 demais se encontram em um vazio normativo, sem nenhuma sinalização de definição.

Esses "não sujeitos de direitos" seguem à espera. À espera de um Congresso americano que retire as restrições à soltura e autorize a sua remoção para o território americano. À espera de algum Estado que aceite acolher humanitariamente aqueles que já estão liberados, como fez o Uruguai recentemente.

Com a remarcação da visita da presidente Dilma aos Estados Unidos, esse poderia e deveria ser um ponto na reconstrução do diálogo político entre o Planalto e a Casa Branca.

Transferir homens já liberados para outros países e deslocar os poucos casos pendentes para cortes federais nos Estados Unidos são as únicas maneiras de fechar aquela nefasta prisão. Em um momento em que a normalização das relações entre Estados Unidos e Cuba figura na agenda regional, o fechamento de Guantánamo não pode continuar sendo legado a uma espécie de limbo político e jurídico. Eis aí uma boa oportunidade para o Brasil buscar recuperar um papel mais relevante na solução de crises internacionais.


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