Folha de S. Paulo


Maioridade constitucional

A questão da redução da maioridade penal voltou à pauta esta semana e, com ela, a discussão das cláusulas pétreas. A Constituição de 1988 é um documento razoavelmente flexível, tanto que em apenas 27 anos recebeu mais de 80 emendas.

Nem tudo, no entanto, pode ser objeto de alteração. É o que determina a Constituição Federal ao vetar emendas tendentes a abolir a federação, a separação de poderes, o voto e os direitos e garantias individuais. São as chamadas cláusulas pétreas.

Essa é uma cautela que muitas constituições passaram a tomar após experiências autoritárias, onde emendas constitucionais foram amplamente utilizadas para solapar a democracia e os direitos fundamentais, como na Alemanha de Hitler. Na América Latina, de hoje, não parece ser uma cautela à toa.

A questão a saber é se o artigo 228 da Constituição, que estabelece a maioridade penal apenas aos 18 anos, deve ser considerado uma cláusula pétrea. Se mirarmos os precedentes firmados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) nas últimas décadas a resposta é afirmativa.

Em 1993 o Supremo, pela primeira vez, deparou-se com a necessidade de julgar a validade de uma emenda constitucional. Sem maiores cerimônias entendeu que o IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras), criado pela emenda nº 3, era inconstitucional, pois violava o "princípio da anterioridade", inscrito no artigo 150 da Constituição, pelo qual não se pode determinar a cobrança de um tributo no mesmo exercício financeiro que o instituiu.

Em 1999, o Supremo declara a inconstitucional de parte do conteúdo da emenda nº 20, que estabelecia um teto para o pagamento da licença maternidade pela Previdência Social. De acordo com a maioria, isso geraria uma discriminação inaceitável no mercado de trabalho, onerando desproporcionalmente as mulheres.

Em 2013 o Supremo fulminou a emenda nº 62, que estabelecia novo regime para os precatórios. Entre outros pontos, entendeu que a emenda feria o direito à propriedade, por estabelecer um índice de correção monetária desfavorável aos cidadãos.

Logo, se o Tribunal for minimamente consistente com os seus precedentes, não haveria outra decisão a tomar se não impedir a tramitação da PEC-173, que reduz a maioridade penal.

Como reiteradamente salientado pelo STF nesses casos, os direitos e garantias fundamentais dispersos pelo texto constitucional fazem parte do núcleo irredutível da Constituição. Não há porque se excluir deste rol os direitos dos adolescentes que, de acordo com o artigo 227 da Constituição, têm "absoluta prioridade" sobre os demais interesses.

O objetivo das cláusulas é impedir que paixões e interesses de maiorias circunstanciais ponham em risco a democracia ou constranjam os direitos de minorias. Em especial, minorias sub-representadas e discriminadas.

Este parece ser o caso dos adolescentes em conflito com a lei no Brasil. Nas últimas décadas o Brasil foi o segundo país que mais matou os seus jovens, em especial negros e moradores das periferias, como deixa claro recente relatório da Unicef. Por outro lado, os adolescentes foram responsáveis no ano passado por menos de 1% do total de 56 mil homicídios cometidos no país.

Imputar aos adolescentes a responsabilidade pela violência no Brasil é um ato de discriminação inaceitável. É, portanto, uma afronta à "maioridade constitucional".


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