Folha de S. Paulo


Nas cordas

Parece irresistível. Sempre que encontramos um médico, fazemos, sem nenhuma cerimônia, uma pequena consulta. Com advogados ocorre o mesmo. São porteiros, amigos, barbeiros, ricos e pobres que sempre têm uma perguntinha. Enganam-se aqueles que acham que isso incomoda. Ao contrário, penso que até temos certo orgulho em poder ofertar pequenos conselhos, "pro bono", à vida alheia.

O duro é quando ocorre um crime de grande repercussão ou um escândalo, como o que estamos vivendo agora. Nesses momentos, taxistas, empresários e agrônomos não têm dúvidas, mas sim sólidas teorias sobre porque o direito não funciona.

Para sair das cordas, fui à ofensiva. Disparei perguntas às mentes jurídicas que mais admiro. Confidencio que o ânimo de muitos colegas não é bom. Há, porém, os que transformam a perplexidade em desafio de arquitetar soluções. Gostaria de partilhar alguns desses desafios com o leitor.

Temos uma robusta lei de improbidade administrativa. Ela determina que empresas julgadas inidôneas sejam proibidas de contratar com o poder público. Quando muitas empresas do mesmo setor se envolvem, ao mesmo tempo, numa enrascada, como dar conta das estradas ou escolas a serem construídas, se estiverem todas proibidas de contratar com a administração?

Adotamos recentemente uma inovadora lei anticorrupção. Ela estimula a autodelação e estabelece a possibilidade de acordos de leniência. Não há, no entanto, previsão de ratificação judicial desses acordos que os tornem definitivos. Que incentivo têm para firmá-los?

A Petrobras é uma empresa de economia mista, com ações na bolsa, devendo reger-se pelas leis de mercado, conforme disposto pela Constituição. O Estado, seu sócio controlador, no entanto, entendeu que a companhia deveria realizar uma série de políticas de preços, ferindo interesses dos acionistas minoritários. Poderia tê-lo feito? Deve indenizar os acionistas, ou isso é parte do risco de se associar a uma empresa de economia mista? Privatizar ou estatizar de vez, qual a melhor solução?

Os presidentes das duas casas do Congresso, bem como dezenas de outros parlamentares, além de ex-colaboradores da presidente, serão investigados e eventualmente julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Ali, falta um juiz, dado que o posto de Joaquim Barbosa ainda não foi suprido. Podem eventuais réus participar da escolha daquele que irá julgá-los?

Muito se tem falado de eventuais crimes de responsabilidade praticados pela Presidência na gestão passada. Como responsabilizá-la se, por determinação constitucional, o chefe do Executivo não pode ser responsabilizado por atos estranhos à sua gestão? Da mesma forma, como impugnar um mandato que já terminou? Parece que a Constituição criou um ponto cego, como superá-lo?

Partilho ainda a angustia de um colega criminalista que estudou a vida toda para defender seus clientes e agora se vê na obrigação de ajudá-los a se autoincriminar. O que devo dizer a ele?

O direito é uma área de conhecimento eminentemente prática. Somos sempre chamados a auxiliar a encontrar soluções que habilitem a política, a economia e a sociedade a seguir o seu curso. O desafio neste momento é que a criatividade não se sobreponha ao compromisso com os valores republicanos.


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