Folha de S. Paulo


Drogas e eleição

Apesar de ser um tema profundamente indigesto para candidatos com real chance de vitória, a questão das drogas não pode ficar fora do debate eleitoral.

O Brasil, assim como muitos países da América Latina, tem experimentado um processo de expansão no consumo de drogas na última década. As drogas vêm se consolidando como parte do repertório de "entretenimento" da população jovem, não apenas nas grandes metrópoles, mas também em cidades de médio e pequeno porte.

De um país de trânsito, o Brasil tornou-se um dos principais pontos de consumo e também de alta produção. Somos hoje o segundo maior consumidor de cocaína do mundo.

A complexidade e a competição no mercado de drogas têm tornado os traficantes cada vez mais eficientes e globalmente conectados, fazendo a atuação das autoridades ainda mais difícil.

As consequências de uma insensata e ineficaz política antidrogas são devastadoras. Os impactos sobre os consumidores, suas famílias e a comunidade, assombrosos, especialmente nas franjas sociais, onde as redes de proteção encontram-se mais esgarçadas.

Estima-se que uma parte substancial dos mais de 50 mil homicídios praticados no Brasil a cada ano esteja direta ou indiretamente ligada ao comércio de drogas. As necessidades financeiras decorrentes do vício favorecem o crescimento de crimes contra o patrimônio, como temos assistido nos últimos anos.

Essas consequências são diretamente sentidas no sistema carcerário. De 1990 aos dias de hoje, o sistema prisional cresceu mais de 500%, saltando de 90 mil para 540 mil detentos. Hoje, pelo menos 25% dos homens e 50% das mulheres encontram-se presos por tráfico.

Grande parte desse contingente é composta por passadores, especialmente entre as mulheres. Muitas delas aliciadas pelo tráfico na porta dos cárceres ao visitar companheiros, pais ou filhos. Cárceres violentos, superlotados e dominados por facções, onde o Estado é apenas sócio minoritário, tornaram-se um elemento chave na espiral de crescimento do tráfico no Brasil.

A democracia e o Estado de Direito também se tornam vítimas de um mercado criminoso altamente rentável. Com margens de lucro astronômicas, o tráfico elege seus representantes, corrompe autoridades e aterroriza a comunidade, fragilizando ainda mais a capacidade do Estado de manter a paz. Excedentes de recursos também são empregados na compra de armas pesadas que, além de fomentar a criminalidade internacional, deixam acuadas as autoridades públicas.

Em resumo, a política de guerra às drogas, prevalentemente repressiva, marginaliza consumidores, promove o crime e tem um efeito exponencial sobre a corrupção. Daí o seu fracasso.

Estudos e corajosas experiências têm demonstrado que o melhor caminho é investir em políticas ativas de prevenção, tratamento, controle de danos e cerrado cerco aos verdadeiros traficantes.

Isso exige nova postura do direito criminal em relação a consumidores e pequenos distribuidores. Portugal, Suíça, Uruguai e diversos Estados norte-americanos estão buscando novas alternativas. Não se trata de propor políticas minimamente tolerantes com drogas, traficantes e seus acólitos no poder público e no sistema financeiro, mas de estabelecer meios mais eficientes para conter o seu devastador impacto sobre os jovens, as comunidades e a própria democracia.


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