Folha de S. Paulo


Minha Escola, Minha Vida

Escrevo sob o impacto e o sofrimento da apuração das escolas de samba do Rio. Foi uma vitória épica da Mangueira, "powered by" Bethânia e o axé do Gantois. Recordo o quanto minha Mãe Cleusa amava Bethânia, amor herdado de sua Mãe Menininha, que nossa linda Mãe Carmen herdou de novo.

Bethânia é o orgulho de nossa casa, seja a nossa casa o Terreiro do Gantois, a Bahia ou o Brasil.

Nesta hora aflita da nação, cheguei ao desfile das campeãs na Sapucaí como um refugiado, um ser em busca de uma pátria. E lá –linda, garbosa, soberba– estava ela, verde e rosa na avenida, a Mangueira. E, pelas mãos dos mangueirenses, vi um Brasil empreendedor, criativo, trabalhador e orgulhoso. Sim, tenho uma pátria.

Acredito muito nos méritos do programa Minha Casa, Minha Vida. Mas o país precisa também dar ênfase ao projeto Minha Empresa, Minha Vida, ou, como preferem os mangueirenses, Minha Escola, Minha Vida –programas sociais que puxem e desenvolvam o lado empreendedor dos brasileiros.

Nesses dias de tanta zica, Iansã nos deu uma transfusão momentânea de fé no Brasil.

Sempre sinto essa fé quando vou à Sapucaí. Lá vejo um Brasil profundo emergir com seu talento, sua capacidade de fazer nos braços e nas vozes negreiras deste país de apartheid sem fim.

Neste ano, a Sapucaí valeu-me ainda mais. Levei comigo um dos meus filhos, que, aos 17 anos, vive desencanto com seu país. É triste ver esse desencanto dos jovens. Com o dólar a R$ 4, tem sido duro segurar criativos que querem nos deixar para brilhar na publicidade americana e inglesa. Falta segurança, falta perspectiva, falta esperança.

O burro velho aqui resiste. E, em vez de querer me refugiar em Miami, me refugio na Mangueira, me refugio em Clarisse Lispector, em Drummond, me refugio em Caetano, Bethânia e Chico, me refugio naquela notícia pequena e boa perdida no jornal.

Não sou um otimista, sou um resiliente. Nasci em 1958. Quando tinha seis anos, o Brasil entrou numa ditadura e só saiu quando eu tinha 26. Construí minha vida e minha carreira, sempre, sob condições econômicas e políticas duras e dramáticas.

Quando Guga Valente e eu começamos nossa primeira empresa, a DM9, o Plano Collor levou todo o dinheiro que os investidores colocaram. Tivemos de refazer tudo do zero. Mas em nenhum momento desse longo caminho de descaminhos, em que tinha tantos motivos para deixar o meu país, fui para Miami.

Sempre fui animado com o Brasil mesmo quando faltava motivo e isso foi quase o tempo todo. Só de 1993 para cá tivemos alguma brisa e rumo, mas, como diria Roberto Campos, o Brasil não perde a oportunidade de perder uma oportunidade.

Fizemos a DM9 em condições horríveis, mas fizemos. E ela se transformou em uma das mais premiadas agências do mundo. O Grupo ABC foi construído sob os altos e baixos da América Latina, mas fizemos dele uma empresa imensa e respeitada.

Portanto, apesar do desalento que também me invade como a qualquer outro ser humano e empresário, penso o seguinte: tenho três filhos e 2.500 famílias que dependem do grupo que comando. Não posso jogar a toalha.

Quem é do Gantois como eu e já viu tantas coisas sobrenaturais acontecerem sabe que Iansã há de em algum momento soprar longe essas nuvens negras que pairam sobre o Brasil.

Valei-me Maria Bethânia. Valei-me Iansã. Valei-me Mangueira. Olhando para os mangueirenses cantando orgulhosos, donos do mundo, vislumbro um futuro para o Brasil. Que será construído do talento empreendedor dos brasileiros, das mãos calejadas e da fé do nosso povo.


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