Folha de S. Paulo


Deixa com a gente

Tirando todos os problemas de custo e logísticos que esta Copa do Mundo teve, até aqui ela é um espetáculo. O grande vexame até agora foi a cerimônia de abertura. Aquilo foi de um ridículo atroz. Música ruim no país da música, dança ruim no país da dança, tudo sem graça no país da graça.

Quando todo mundo apedrejava esta Copa, eu apostei nela e coloquei o meu na reta. Vamos lá, de novo: Doutor da Fifa coordenador do vexame da cerimônia de abertura, deixe o encerramento desse espetáculo com a gente.

A gente chama aquele carnavalesco carioca, o Paulo Barros, reaproveita um monte de carros alegóricos do Carnaval passado, reúne as melhores baterias das escolas de samba, recruta as personalidades icônicas do Brasil. Enfim, faremos rapidamente aquilo que deu origem à feijoada, ao cozido, à "goiabeze" –a mistura de restos e sobras que fazem uma terceira coisa mágica.

O Brasil se mistura com o mundo neste momento de uma forma que nunca antes havíamos nos misturado. Sediamos o Mundial de 1950 no mundo de 1950. Hoje sediamos o mundo na ultrarrealidade do século 21. As imagens transmitidas de nossos gramados e de nossas ruas estão quebrando recordes de audiência e de "likes" ao redor do mundo, dos Estados Unidos à China, da África à Europa.

Essa mistura do Brasil com o mundo faz muito bem para o Brasil e muito bem também para o mundo.

O vice-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, aproveitou a Copa para visitar o nosso país e reatar laços entre os gigantes americanos. Depois de Biden voltar a Washington, tragado pela última convulsão no Iraque, uma transmissão ao vivo da CNN para o mundo durante o jogo entre Bélgica e Estados Unidos mostrou o que os brasileiros podem fazer pelas relações bilaterais.

A correspondente Shasta Darlington, falando do clima festivo do lado de fora do estádio da Fonte Nova, em Salvador, perguntou a um incrédulo âncora na sede da TV americana, em Atlanta: Adivinhe para quem esses brasileiros aqui fora do estádio estão torcendo? E o povo em volta, em coro, gritou: "USA! USA! USA!".

Cenas como essas merecem um encerramento digno do espetáculo que estamos oferecendo.

Eu sei que a chance de essa proposta ser aceita pela Fifa é nenhuma porque alguma coisa já deve estar em curso.

Mas, se por um milagre baixar Nossa Senhora do Bom Senso, eu pego o José Victor Oliva, o Bazinho Ferraz e umas duas toneladas de talentosos brasileiros e faremos voluntariamente o encerramento dos encerramentos da Copa das Copas.

Uma Copa que funcionou dentro do campo e fora dos estádios. Com drama, emoção e reviravoltas dignas de Shakespeare e Janete Clair.

O punhal dos novelões transformado no joelho de Zuñiga atingindo a terceira vértebra de Neymar. E o povo gritando seu nome nos jogos desde então, como os grandes heróis reverenciados nos campos de batalha. Como se dissessem para o grande Neymar: Deixa com a gente!

Futebol de Copa tem essa capacidade épica de representação nacional e popular. Que encontrou na Fifa uma organizadora controversa, mas que entrega um grande espetáculo em coprodução com o país-sede. Neste caso, nós, o Brasil.

Por isso, o encerramento deve representar o grande jogador desta Copa, o povo brasileiro. Que matou tudo no peito e fez esse espetáculo memorável.

E antes que algum enjoado se aproveite do que eu não disse, eu não subscrevo os elefantes brancos, os superfaturamentos e decisões políticas em vez de técnicas. Mas isso a gente discute quando as visitas forem embora.

Vamos agora encerrar esta Copa mágica com uma solução maluca, de fazer de última hora algo diferente daquele vexame disciplinado que vimos na cerimônia da abertura do torneio.

Vamos lá, Fifa. Dê crédito a esse povo que lhe consagrou e faça uma cerimônia de encerramento no padrão Brasil.


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