Folha de S. Paulo


Enchendo a bola do Brasil

O grande legado desta Copa do Mundo do Brasil não serão os estádios ou as obras de infraestrutura, acabadas ou inacabadas. O grande legado desta Copa será a capacidade do brasileiro de reclamar, de protestar, de ir às ruas, de exercer seu direito democrático.

Não estou aqui fazendo apologia da desordem, da baderna, da destruição de patrimônio público ou privado. Estou apenas dizendo que do brasileiro cordial, aquele brasileiro eternamente conformado e desconectado de suas ânsias materiais e imateriais, nós evoluímos para um novo brasileiro, que começa a cobrar, que aprende a protestar.

Durante anos, nós vimos protestos contra as armas da ditadura. Agora descobrimos que os protestos são as armas de uma democracia, algo que você usa para reclamar contra impostos, para reclamar contra abusos, para reclamar contra preconceitos, para conquistar avanços sociais.

Portanto eu não sou contra protestos. Eles são a face estridente de uma democracia. Qual grande democracia não tem protestos?

Agora eu concordo 100% com o Abilio Diniz quando ele disse em artigo nesta Folha no domingo que vai ser um papelão fazermos esses protestos durante a Copa do Mundo, quando os olhos do planeta estarão sobre nós. Ainda mais depois de termos nos candidatado lá fora para receber o torneio e tomado as ruas para celebrá-lo.

Eu não estou aqui de modo algum aplaudindo o fato de termos 12 sedes e estádios com abusos de gastos. E que, nem mesmo diante do prazo fixo e inexorável da Copa, nós conseguimos entregar obras no tempo planejado. Essas são falhas que teremos bastante tempo para discutir depois da Copa do Mundo e que tivemos muito tempo para discutir antes dela.

Mas não faz sentido achar que festa de aniversário é hora adequada para mamãe e papai discutirem a relação, brigarem diante dos convidados.

O Brasil é um país que, apesar de todos os seus desafios econômicos, se firma como uma grande economia mundial.

Apesar das graves deficiências, avançamos muito nos últimos 20 anos. Somos não apenas um mercado emergente, mas também um estilo emergente.

O mundo que já consome nossas commodities em larga escala quer também consumir riquezas mais intangíveis e exclusivas do nosso país, o "Brazilian way of life" tolerante, lutador, criativo e alegre.

Badernas, desordem, violência e caos em qualquer época são condenáveis. Durante uma Copa do Mundo, é algo que vai refletir de maneira sem precedentes na situação do nosso país. Vai refletir na maneira como o mundo nos percebe, vai refletir nas nossas empresas, na nossa capacidade de atrair capital e talentos. Ou seja, vai refletir naquilo que nós somos. A Copa não é do governo, a Copa é nossa.

Sem aderir às coisas erradas e sem abraçar os exageros, vamos receber nossas visitas e nossos convidados da melhor forma possível. Não sejamos ridículos mentindo ou escondendo sujeira debaixo do tapete. Mas vamos mostrar ao mundo o que o Brasil tem de bom.

A Copa do Mundo do Brasil não vai ser organizada como a Copa do Mundo da Alemanha, mas ela vai ser mais divertida e mais passional.

Dias de jogo de Copa do Mundo no Brasil sempre foram como o 4 de Julho nos Estados Unidos –dias de festa, de churrasco, de bandeiras do país penduradas em todos os prédios, do verde e amarelo na paisagem. Poucas coisas nos unem tanto quanto a seleção brasileira num jogo de Copa.

E no dia 13 de julho, quando ouvirmos o apito final, as ruas estarão como sempre abertas para todos os protestos. As ruas são nossas, a democracia é nossa, a imprensa é livre, o debate é necessário. Poderemos discutir nossos problemas com a profundidade e a urgência que eles merecem quando as visitas forem embora.

Mas, enquanto a bola do mundo estiver rolando em nosso gramado, vamos tratá-la bem, como sempre fizemos. É assim que este país fará o seu papel, e não um papelão, nesta Copa.


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