Folha de S. Paulo


Ouvido social

Costumo dizer que tudo o que ofende o consumidor recebe a penalidade máxima, que é o desprezo do consumidor. Se isso era verdade no século 20, é muito mais verdade neste século 21.

As marcas estão cada vez mais nas mãos dos consumidores.

Eles não só estão falando pelas marcas como estão sendo escutados por elas. É o que os americanos chamam de "social listening".

Não só é preciso como também é cada vez mais possível ouvir a polifonia social em relação ao seu produto e à sua marca. O feedback é incalculável. Toneladas de informações são despejadas todos os dias nas mídias sociais –jazidas imensas e renováveis que estão sendo crescentemente garimpadas para direcionar vendas, produção e marketing.

Grandes marcas globais já lançaram produtos baseados nesse tipo de interação. Elas hoje têm formas muito mais eficientes e rápidas de coletar e analisar o pensamento dos seus consumidores espalhados pelo mundo para determinar o desenvolvimento de novos produtos e readequar os já disponíveis no mercado.

Pesquisa recente nos EUA aponta que o uso de mídia social na criação de novos produtos cortou custos e reduziu o tempo de elaboração e lançamento. A pesquisa revelou ainda que os produtos produzidos dessa forma ganharam mais mercado e mais aceitação dos clientes.

Os "focus groups" (grupos focais), que foram criados na Universidade Columbia, em Nova York, e se espalharam pelo mundo décadas atrás, sempre mostraram seu valor na aquisição de conhecimento de mercado. Até hoje, eles consistem basicamente na reunião de um grupo de pessoas representativas do setor que se quer pesquisar ao qual é submetida lista de perguntas sobre percepções, opiniões e atitudes em relação a um determinado produto, serviço ou conceito.

Os participantes desses grupos estão livres para dar suas ideias e trocar opiniões com os outros.

Mas formam um universo muito limitado em números de pessoas e estão sempre guiados pelas perguntas do entrevistador/moderador do encontro.

Essas entrevistas guiadas seguirão tendo seu valor. Mas agora existe um turbilhão de registros espontâneos sobre as marcas e os produtos espalhados da forma mais abrangente possível pela sociedade consumidora em termos de demografia, renda e geografia.

É muita informação, ubíqua e intermitente. No Brasil, ela é ainda mais valiosa que em mercados já maduros porque aqui há muito mais para ser compreendido.

O mercado brasileiro ganhou dezenas de milhões de novos consumidores nos últimos anos, um avanço que não deve ser subestimado e que veio para ficar.

É um novo consumidor, mas ele não é novo por igual. Não existe só uma nova classe média. O novo consumidor da Amazônia quer produtos diferentes do novo consumidor do Nordeste, que quer produtos diferentes do novo consumidor do Sudeste e assim por diante. As empresas que entenderem (ouvirem) primeiro seus desejos, suas diferenças e também suas semelhanças terão mais luz no caminho.

Esse movimento em direção ao consumidor (na economia) e ao cidadão (na política) é global.

Os EUA, maior economia do mundo, sempre foram o símbolo de país movido por consumo. Agora a segunda economia do mundo, a China, reorienta sua economia nessa direção. O modelo de crescimento chinês baseado em exportações, produção e investimentos atingiu seus limites e é reorientado para o consumo pelo próprio Partido Comunista.

O Brasil está nessa há muitos anos. Os economistas, aliás, dizem que essa corda já esticou demais e que agora precisamos crescer via investimentos e produtividade.

Assim seja. Mas as dezenas de trimestres em que o consumo das famílias avançou no país deixaram como legado um mercado consumidor muito maior, mais diversificado e mais exigente.

Precisamos ouvi-lo em todos os níveis. As ferramentas estão aí.

O Brasil sempre teve ouvido musical. Agora precisa de ouvido social.


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