Folha de S. Paulo


Nem guabiroba conheço

Renato Stockler/Folhapress
ORG XMIT: 285601_1.tif SAO PAULO, SP - 30 ABRIL: Frutas brasileiras exoticas no Itaim Bibi, em Sao Paulo, em 30 de abril de 2007. (Foto: Renato Stockler/ Folhapress).*****FOLHINHA******** *** Local Caption *** Sao Paulo

Nunca decoro se essa fruta ou tempero veio daqui ou de lá, se é nosso ou dos outros. Resolvi para mim que vieram todas nas botas de Cabral e degredados, sementes por acaso, em fundas mochilas, em bolsas rústicas de pelo de bicho.

Um amigo meu ligou querendo saber o nome de uma fruta brasileira sem eira nem beira. De ontem para hoje até esqueci o nome. Ah, era guavira, desconfiei de apelido, caipira adora apelido, seria guabiroba? Meio tanto faz, que nem guabiroba conheço.

Quem sabe de tudo sobre o assunto é o Silvestre Silva, fotógrafo que já virou fruta do mato porque nasceu duro, fibroso, cascudo, com pouca polpa, mas muito doce e agora de cabelos brancos, suavizado.

Em todo caso é fácil ver frutas civilizadas, por exemplo, uma maçã polida que se dá à professora, a pera branca, descascada, marfim, que se come com queijo... A nossa boca pede ocres, vermelhos de batom, o de dentro das goiabas, os tamarindos azedos.

Sapoti suspeito que seja marrom, maduro demais, pronto a cair no chão de tão maduro, querendo morrer de calor, voltar à terra úmida, renascer, quem sabe?

Ingá, por exemplo. Pode ser mais diferente do que pêssego, no galho dobrado sobre a correnteza do ribeirão, muita semente e pouca polpa, difícil até descobrir que é fruta, desenhada para se cuspir.

Terão alguma brejeirice as frutas do Brasil? Frutas de Carmen Miranda, tão combinadas nos turbantes, mas não sabiam sambar —diz o Caetano Veloso que Carmen não sabia sambar. Mas era portuguesa, Caetano, estás a querer demais.

Mas, de verdade, são diferentes as frutas desses nossos matos. Uma estranheza, um cheiro.

Como pode um estrangeiro olhar para um jatobá? Inexplicável, um pó que cheira aos infernos numa caixinha de madeira polida. Isso lá é fruta?

Jabuticaba, então, nem se explica, há que se ter berço para traduzir uma jabuticaba, a casca tensa, o orgasmo doce de um segundo, a repetição do prazer sem regra, a jabuticaba é perversa.

A jaca é estranha por onde ande, obesa, demasiada, corpanzil cascudo, um travesti maltratado, sofrido, fruta abusada, amiga de elefantes e de antílopes visguentos.

O caju, de pirraça, é cheio de belezura, colorido, fantasiado, carnavalesco, gostoso, perigoso. Transformista, pode virar carne na moqueca, ser comido com galinha. Cashew, caju.

E camapu? Faz de tudo pra se esconder, gosta de brotar na terra donde se colheu feijão, veste-se de palha, tímido, cores delicadas.

É difícil, precisaria ser uma pintora suscetível a cores, entendida. Não sou. Espero que os leitores me esclareçam. Quarta-feira é dia de crônica no Boteco da Dona Nina.


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