Folha de S. Paulo


Para falar em descomer

Reprodução/Flickr
Copo d'água agua

Estou doente ao contrário. É a primeira vez que escrevo um artigo que não fala em comer, mas em descomer. Um enjoo profundo, barriga inchada, a água tem gosto de cloro e cândida e os grânulos de polvilho não sabem bem, nada é bom.

Faço um exercício de rever o passado, qual foi a última coisa que comi, mas nem é preciso me esforçar. Isso acontece quando passo por um estresse, por pequeno que seja, como, por exemplo, levantar pela manhã e ter sido bloqueada pela melhor amiga no Facebook? O quê?

Eu que nem acredito que as amizades facebookianas sejam para sempre. Mas fico remoendo, parece que nem existe mais telefone, mas se ela resolveu não falar mais comigo, azar.

E depois moro num bairro de árvores centenárias que não dão pomos de ouro, nem remédio de farmácia, nem comida, nem grampos, nem canetas. Dão muitas folhas secas nessa época, que resolvi deixar sobre a grama, seiva futura.

Bem, tudo isso para dizer que se precisar sair para comprar um remédio, nada feito, só de Uber, mas matei meu celular quando ele era ainda uma criança pequena e insuportável.
O jeito é inventar remédios caseiros, tomar muita água, água de coco. As duas apresentam sabores que nunca senti antes, de cloro, e azedo, de açúcar, quem sabe uma Coca-Cola gelada, mas está quente, teria que ser mais gelada que o gelo.

Voltemos ao que foi ingerido no dia anterior com as pressões do dia. O editor veio me visitar para resolvermos um novo livro e concordamos que há de ser o mais simples possível, assim com arroz e feijão nos nossos pratos. Surgem esperanças de um livrinho simpático, ou então, quem sabe, o definitivo sobre esse assunto.

Xi, o editor chegou logo depois do almoço, deve estar com uma fominha. Vamos ver o que há na geladeira. Qual foi a última vez que compramos petiscos para essa casa com suas árvores frondosas? Toca a procurar. Enquanto isso, o rapaz, que é alto, notou o pé de jabuticaba e foi colher com três cumbucas daquelas do Pará. Eu, que sou baixa, só consigo um patê com pimenta verde e uma bela bottarga.

Minha alegria foi imensa quando ele voltou com a jabuticabas que não lavo quando saem assim diretamente do pé. Parece que não há muito segredo. Bottarga com jabuticaba não é um casamento de comida feito nos céus. Daria até um bom título de livro, intrigante, mas perigoso. E talvez trouxesse aos leitores todos os problemas que me estão trazendo.

Não. Melhor voltar ao feijão com arroz, e pedir desculpas pelo textinho.


Endereço da página: