Folha de S. Paulo


Fruta no tronco? Ali tem coisa!

Gabriela Romeu - 24.set.2002/Folhapress
ORG XMIT: 530601_0.tif Jabuticabeira do pomar da fazenda Mandaguahy, em Jaú (SP). A fazenda foi criada em 1858. Ali os escravos trabalhavam na lavoura de café e viviam na senzala, construção que pode ser visitada ainda hoje. Durante o passeio é possível conhecer como era o processo de cultivo do café nos séculos 19 e 20 no oeste paulista. (Jaú, SP, 24.09.02. Foto: Gabriela Romeu/Folhapress. Negativo 200211384)

Não sou daquelas que abraçam as árvores de manhã e ao pôr do sol e costumo até morrer de vergonha alheia de quem faz isso. Nem ponho discos clássicos para as samambaias. Papo com limoeiro não é meu forte.

Por ignorância, alguém plantou árvores que se tornariam enormes no meu quintalzinho. Trinta anos depois elas nos olham lá de cima, perplexas com nossa pequenez.

E a vizinha reclama das folhas, da sombra e de uma árvore que subiu até a janela do quarto da minha filha e a espia lá de fora. A filha não tinha argumentos, mas um dia fotografou um pica-pau a picar o pau da árvore e mandou para a vizinha. Não se queixou mais, o pica-pau venceu.

Esse assunto veio à baila porque apareceu uma revista nova de crítica literária. Chama-se "Quatro Cinco Um", 451, e já está no número dois em qualquer livraria que se preze. Ah, como adoro crítica de livros, saber quais estão saindo, quais vão sair ainda e aquelas listas finais de livros recebidos pela redação na última hora. A lista de última hora, então....Pode ter escapado alguma coisa boa! É como se estivesse lendo o próprio romance, ou melhor ainda. Mergulhei na primeira das revistas e, caso estranho, me encantei especialmente por uma resenha: Vida secreta das árvores, de Peter Wohlleben (Ed. Sextante). Resenha feita por Leonardo Fróes e muito interessante. Sempre se corre o perigo de um bom resenhista ser melhor do que o livro, mas no caso empatam.

Peter Wohlleben era guarda florestal, mais ligado ao valor comercial das árvores. Com o tempo, foi se intrigando, foi observando, estudando, e não se pode acreditar no que descobriu. O poder das raízes, dos fungos, o sistema de comunicação que as árvores têm entre si, como procriam, como conversam, seus bons modos e etiquetas, o comportamento no frio e no calor, e tudo numa linguagem tão coloquial que você imediatamente passa a olhar com outros olhos as árvores ao seu redor.

O Leonardo Fróes, que fez a resenha, repara demais nas árvores dele também. E contou de uma arvorezinha raquítica, dependurada no barranco, cada dia mais exposta, a erosão matando e esburacando, como soem fazer nossos barrancos. Atrás dela, uma árvore forte, destemida. Pois a pequena, da barranqueira, esticou o pescoço para trás e se amarrou, se agarrou, apertou-se na outra para não cair num abraço de afogado. E continuam lá, no sítio dele, juntas, amigas para sempre, protegidas.

"Mas, então as árvores pensam? A fim de superar o enigma, a palavra senciência pode ser posta no lugar de consciência para falar dos processos que os vegetais utilizam ao raciocinar sensorialmente... São numerosos os casos pitorescos de árvores taludas e até plantas de pequeno porte que resolvem problemas de sobrevivência pela aplicação prática e metódica de seu raciocínio sensorial."

Sensacional. Acreditem, é um livro de não se botar defeito, pena que não seja sobre as nossas árvores, reconheceríamos alguma travessura e inteligência delas. A inteligência da jabuticabeira, por exemplo. Aquilo é um gênio, gente! Fruta no tronco, ali tem coisa!

A revista número dois tem uma resenha no setor Fotografia do livro "Vida caipira" de Pedro Ribeiro, por Carlos Alberto Dória.

"As fotografias entre instantâneos e retratos trazem para o primeiro plano uma camada arqueológica do Brasil. Homens, cães, porcos, galinhas, burros, cavalos, santos e igrejas, violeiros, panelas areadas, cuscuzeira, o milho, a cana —tudo se enlaça como fragmentos de uma vida esfacelada, que parece nos dizer que sabemos nada sobre nós mesmos."

Na seção de história, que vem logo a seguir, temos "A Cena interior", de Marcel Cohen. Diz o autor que é o fragmento que nos restitui a realidade. Os fragmentos também falam! Tem para todos os gostos. Garanto. De Antonio Cândido ao último livro de Elena Ferrante. E para nós, comilões, os reis das modas na nutrição, temos a resenha do livro "Gordura sem medo", de Nina Teicholz, na edição número um.

E por falar em livros, o que aconteceu aos e-books? Alguns mais caros do que os livros de capa dura! Não faz sentido. Alguém me explique, por favor! E essa história dos e-books da Amazon só poderem ser vendidos pela Amazon brasileira? E você nem se cadastrou na Amazon brasileira e compra por lá, para mim uma grande confusão. Como fazer para ler um livro na sua língua de origem se já estiver traduzido no Brasil? Tem os dois? E a novidade foi um livro que existe nas outras Amazons mas está em falta aqui. E-book em falta? Não entendi. Perdi alguma briga no caminho.

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A revista é uma realização da Associação 451, entidade sem fins lucrativos, criada pelos editores Fernanda Diamant e Paulo Werneck. O exemplar da revista custará R$ 17; a assinatura anual R$ 136 —para menores de 16 anos, R$ 100. Para envio de livros, provas e programação de lançamentos, anúncios e parcerias comerciais, é só enviar um e-mail para contato@revista451.com.br.


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