Folha de S. Paulo


Vamos conversar sobre hortas e jardins em lugares pequenos?

Raquel Cunha/Folhapress
SAO PAULO - SP, BRASIL - 21.10.2015 - Detalhes da casa da colunista da Folha e empresaria Nina Horta em sua casa em Sao Paulo. Horta lanca este mes o livro
O jardim da casa de Nina Horta

Bom, cada um tem seu jeito de aprender. Uns gostam da prática, de ver alguém fazendo aquilo que querem aprender. Outros tomam nota, desesperadamente. Uns em pé, outros sentados ou deitados ou até de joelhos. Faço parte dos que não aprendem pelos ouvidos, só pelos olhos e lendo, se não leio primeiro não há como enfiar algum conhecimento na minha cabeça.

Quando quis plantar uma horta, não fui nas reminiscências da mão verde de minha mãe. Pelo contrário, só de pensar no que ela fazia tão bem, já me amedrontava toda, não é minha praia, nenhuma semente jamais germinou nas minhas mãos.

Acontece que estava elaborando um luto e só vim a perceber depois, que o jardim é o contrário da morte, é a ressurreição, o nascimento. E me pus a ler com energia. Existem milhares de livros sobre jardinagem, comecei com os mais literários. A amiga de Virginia Woolf, Vita Sackville West, plantou sozinha um jardim de castelo. De Sissinghurst. Podemos conversar sobre isso, é uma vida cheia de jardins interessantes. Fazia um programa de rádio sobre jardins e depois publicou tudo em livretos simpáticos. Não há ninguém como ingleses para falar sobre plantas. E há um livro da Emily Dickinson, inacreditável, um fac-símile das flores que ela punha para secar. Vou até dar uma espiada se existe on-line. Existe, mas está custando quase R$ 800.

Li uma pequena biografia de uma inglesa, só lembro do primeiro nome, era Joyce. Casada, ganhou de uma tia a possibilidade de viver num chalé do castelo, e morava lá com o marido.

Frequentemente contava das atividades dele, que adorava jardinar. E era o dia inteiro, e mudavam as estações e lá estava ele firme, retirando bulbos do chão, guardando, podando, pinicando, era uma vida. Minha cabeça foi se enchendo da beleza que seria aquele imenso jardim e eis que no fim do livro fotos em preto e branco o mostravam, orgulhoso, provavelmente com uma rosa na mão, num jardinzinho de uns quatro metros por quatro.

Contei isso para mostrar que quem quer mesmo tomar conta de um jardim tem que dispor de tempo. Dá trabalho.

Mas me enfiei por outros caminhos, não quero um jardim, e sim uma horta misturada com flores, aquele tipo de jardim bagunçado, misturado. Há coisas que já moram conosco, uma jabuticabeira da qual me orgulho enormemente, mas da qual não como os frutos (os passarinhos chegam primeiro). Tinha um pezinho de louro daqueles meio enfezados, que não vão pra frente, mas teve um problema, lavei o tronco muito bem lavado com sabão de coco, mas sumiu, morreu. No outro dia percebi uma arvorezinha bem alta, mais alta do que o muro que separa as casas, desajeitada completamente. Um tronco sinuoso com uma coroa... de louros. Renasceu e como perdi todo o sol do jardim ( a vizinha construiu uma casa de três andares, fora dos padrões), ele saiu à procura, a boba, não posso tirar uma planta tão esforçada, concordam? E encostada no muro, uma árvore imensa, própria para um parque da
cidade, um pau d´alho, regurgitando de maritacas.

E pronto, lá atrás é o que tenho, e vai ser difícil uma hortinha, por causa da sombra. Pensei que poderiam me ajudar dizendo onde comprar uns contêineres que tivessem uma certa altura, para eu não me abaixar, e com rodinhas. O vaso, tendo rodas, posso andar com ele à procura do sol pra cima e pra baixo, aliás acho que seria o único jeito, ando com uma dor lombar bem brava. Eu preciso desse carro de horta com rodas, por favor.

Não poderia dispensar duas galinhas, pelo menos. Eu sei, já tive, são os bichos mais sem desconfiômetro que existem, comem o que não podem comer, entram casa adentro, mas a gente não escolhe quem ama. Acontece. Com certo interesse, no fundo. Os ovos.

E de resto essas coisinhas normais de tempero, salsa, cebolinha, sálvia, hortelã, ah, ia me esquecendo, tem uma arvorezinha de pimenta negra, me parece que veio a semente do México, aquela não passo sem, coisinha bonitinha da mãe, e gostosa demais.

Ando com uma certa vontade de plantar verduras na frente da casa, estou numa idade que não me importam muito mais os vizinhos, nem os passantes. Alguma coisa de comer, disfarçada, que possa parecer com flores. Como taioba. Um limoeiro seria uma mão na roda, e a dúvida de arrancar ou não a pitangueira que não dá pitangas. Acho desaforo dela, mas floresce tão bonita, que é sempre desculpada.

E tem um neem na calçada, agora anda espalhado por São Paulo, mas quando chegou levei à USP, e era planta rara aqui. Quem estuda ou faz comida indiana, sabe da existência dele e vem pegar suas folhas num dia de curry em casa. Faço gosto. Podem vir.

Bom, isso é uma croniqueta meio sem pé nem cabeça, quero é conversar com os leitores sobre hortas e jardins em lugares pequenos. Não me venham com jardins verticais, não gosto, forçado demais. E minha terra tem palmeiras, onde canta o sabiá...


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