Folha de S. Paulo


O bom cozinheiro australiano que serve receitas para comer com as mãos

Thays Bittar/Folhapress
28-06-2016. Greigor casley, socio do Bar Guarita, que sera inaugurado na proxima semana, no bairro de Pinheiros, Sao Paulo, SP. (foto: Thays Bittar/FolhaPress) ***EXCLUSIVO REVISTA SAO PAULO***
O chef australiano Greigor Caisley com seu bolovo, no Guarita Bar, em Pinheiros

Era o bufê Ginger e todo bom cozinheiro seria bem-vindo. Uma tarde apareceu um rapaz para uma entrevista. Surpresa. Australiano, muito louro, olhos azuis, lindo, viera para o Brasil, adivinhem.... Atrás da namorada brasileira que conhecera em Londres. Trabalhava no Le Gavroche, e o chef era o Michel Roux. Alta cozinha.

Chegando aqui viu que a vida não estava tão fácil assim e ele resolveu ensinar inglês enquanto não apareciam panelas onde cozinhasse. Conversamos muito, faltavam papéis, não iria dar jeito mesmo. Já se ia embora, mas não resisti, como perder aquele menino com cara de tão promissor? "Fica aqui, Greig, vamos dar um jeito nessa papelada."

Já entrou como chef —sabia ser exigente sem ser grosseiro, bem, um pouco bravo demais— diziam que era típico dos australianos.

Queria que fizessem tudo do jeito dele e estranhava que os funcionários brasileiros o desobedecessem. É para lavar os copos com água e vinagre, mandava. E as copeiras continuavam usando álcool, numa boa. Quero limpeza absoluta na cozinha! E para conseguir isso, toda semana mudava tudo de lugar, mesas, bancos, geladeira. Era uma teoria dele que mudando de lugar não ficariam cantos e recantos sujos. Isso era uma pena, pois a cozinha tinha sido pensada pelo arquiteto André Vainer e parecia um laboratório do Soho, mas foi perdendo as características, pois afinal o chef era o Greigor Caisley, o bonitão da Austrália que jogava cricket.

Cozinhava bem demais. Cozinha ainda, mas vinha da cozinha nouvelle inglesa que por menos que a gente saiba foi uma das mais inteligentes e criativas.

Brincávamos que só sabia cozinhar beterrabas, tinha uma queda por aquele tom vermelho-roxo que invadia todos os pratos, manchava todos los manteles —que não é tão amado pelos brasileiros. Mas sua massa recheada com beterraba e semente de papoula deixou saudade. E a cesta de semente de papoula também era o hit dos coquetéis.

Casou, teve o Kauan, visitou os pais e foi visitado por eles, foi virando brasileiro, assim, sem muito pensar nisso. Fala bem, escreve bem.

Um dia começou seu vôo solo, experimentou aqui e acolá e só quando teve a brilhante ideia de que o brasileiro não estava nem muito rico nem muito afim de novidade (mas querendo comida boa) abriu o 12 Burguer e Bistro (na rua Simão Álvares, 1.018, em Pinheiros). A essa altura já estava expert em cervejas do mundo inteiro, e seu restaurante começou a ser frequentado pelos cervejeiros de plantão. Eu adorava tudo que ele fazia, principalmente o fish and chips, que começara a ser servido na Ginger, com peixe frito na hora e colocado no cone de jornal. Os ingleses perdiam a cabeça e, no fim do expediente, quando a saudade da Inglaterra batia forte, telefonavam para o bufê pedindo um belo peixinho no cone com batatas fritas.

Deu certo. Sempre dá certo para quem sabe trabalhar. Pode demorar um pouco, mas um dia o povo acha o caminho.

O Brasil começou a ficar mais pobre, ele percebeu e logo passou a vender coxinhas de rabada, hambúrgueres e outras variações da cabeça dele.

Ganhou um prêmio de melhor hambúrguer do ano no 12 Bistro, ganhou de novo no ano seguinte. E não era tão fácil lidar com o restaurante inteiro, a comida era boa, mas o serviço nem tanto, sabe aqueles garçons de cara distraída que não querem fazer o que estão fazendo?

Assim de uma hora para outra virou um homem, um restaurateur, abriu o Guarita na outra esquina do 12 (Rua Simão Álvares, 952). Fui lá visitar. Sabe quando você entra no lugar e vê que é o único espécime diferente, mas que não dá tempo de voltar atrás? Cheio —os clientes muito parecidos entre si, uma turma cabeluda, bigoduda, cara de inteligente, tomando drinques variados e comendo invenções do Greig.

As comidinhas, tudo de comer com a mão, foram chegando à mesa. E não levem isso como crítica de restaurante, preciso ir lá muitas vezes mais a ver se mantém o padrão. E comi o melhor bolovo. Nem sei o que dizer das minipizzas. A massa sequinha, preciosa, com barriga de porco, pepino, pimenta de Roraima, coentro...O que? Pois era boa, muito boa, talvez ou com certeza a melhor pizza que já comi.

A ideia do bar é essa, a melhor comida possível ao melhor preço possível. Ah, esqueci de contar que nem está completamente pronto, a vitrine ainda vai expor produtos que podem ser vendidos, e há um enorme forno para as pequenas pizzas, todo revestido de pastilhas brancas, um aliem para mim, acostumada a fornos de barro.

Então é isso, o Greig pegou toda a experiência australiana, inglesa e brasileira e fundiu numa cozinha só dele ( FELIZMENTE SEM BETERRABA).

Tivemos um prazer imenso de comer tão bem num lugar jovem, alegre, cheio de conversa, de risadas, de alegria descontraída. Salve, Greig. Você é um aussie-brasileiro, mistura boa. Parabéns!

O bolovo, com ovo e carne moída, custa R$ 9. As pizzas, entre R$ 22 e R$ 32. Os coquetéis de R$ 18 a R$ 30. E várias outras pedidas, todas comidas com as mãos!


Endereço da página: