Folha de S. Paulo


Bela, recatada e cozinheira

Toda mulher tem seu lado bela, recatada e do lar e tem a hora que bate a vontade de fazer faxina. Geralmente é na passagem de um ano para o outro, cheia de boas intenções, mas de vez em quando cai do céu, quando a bagunça é muita e começa a se refletir no seu estado de espírito. Você já não sabe se está de cabeça ruim, e por isso a casa virou de ponta cabeça, ou se é o contrário.

Há um mês estou diariamente pegando alguma coisa, limpando prata, cobre, alumínio, lavando, encerando, brilhando... Tudo, até bolsa, pulseira, colar, colherinha de chá, lustre, sapato, coador de café. Sem comprar nada, só limpando mesmo, arranjando nos lugares, enfim, reassimilando a casa, engolindo a casa de novo, achando o que faltava, separando o que não está funcionando, reaprendendo onde estão as coisas, aquele pincel de passar gema de ovo na empadinha antes de assar, o outro de limpar cogumelo, o moedor de noz-moscada, a faca de frutas, os guardanapos da toalha verde, e aqueles enormes, de linho, vindos não se sabe de onde, do enxoval da avó, com certeza, se é que a avó teve enxoval. Enfim.

Vai chegar a hora de atacar a geladeira, de recomeçar a cozinhar, de resolver se você quer mesmo cozinhar ou prefere que os amigos, nas visitas, tragam cada um sua contribuição. A crise não está para festanças. O perigo é que quando se começa a cozinhar com empenho a cozinha de rua, digo, de restaurantes, perde muito de seu encanto. Coisa feita em casa é sempre melhor, mais fresca, mais a seu gosto.

É divertido aprender uma coisa nova, inventar um menu barato, mas gostoso, dividir um belo macarrão da Mesa III, só com molho de tomate e um bom queijo.

Depois que uma italiana me deu o molho dela nunca mais gostei muito de outro. Talvez porque adore pimenta, mas não, é desses molhos sem água, com tomates muito maduros, e um azeite cheiroso. Fica pronto em 20 minutos e, para mim, aquele prato fundo de massa com o molho só no meio (depois você mistura), um queijo bom, um copo de vinho tinto, deixa tudo resolvido.

Já dei essa receita várias vezes, mas sabe como é essa história de receita, você lê, cola na geladeira, mas acaba perdendo. É uma quantidade pequena, para cinco pessoas, coisa simples, de todo dia. Os ingredientes são: 10 dentes de alho cortados em três pedaços cada um, salsinha, uma pitada de canela, 10 tomates bem maduros (vermelhos, cortados em quartos, com pele e semente), 1 pitada de açúcar, sal e pimenta vermelha em flocos (em São Paulo chamamos de pimenta calabresa) ½ cm de azeite de oliva no fundo de uma panela média.

Frite o alho no azeite, sem deixar queimar. Jogue o tomate dentro, coloque salsa a gosto, a canela e o açúcar. Deixe em fogo médio, mexendo de vez em quando, por cerca de 20 minutos.

É importante perceber quando está pronto. Ao passar a colher no fundo da panela, o azeite deverá se separar do tomate. Se você não perceber imediatamente essa separação, o tomate pode ressecar. Ponha a pimenta a gosto, eu gosto bem picante, é a graça da receita. Come-se em prato fundo, individual, com o molho no meio, colocado na hora, cada um que misture o seu. E cada um que se sirva do queijo também. É assim, simples, mas com uma salada de rúcula, um pão gostoso, o almoço ou o jantar estão resolvidos.

Pois é, mas mesmo com uma receitinha fácil dessa é preciso que você tenha a pimenta, a canela, o macarrão, penne pequeno é o melhor, não muito fininho, melhor o médio, então.

E já estou chegando à cozinha, bela, recatada e cozinheira, depois que limpar do teto ao chão, começarei um projeto firme de novo aprendizado e bastante estudo e prometo dividir com vocês. Vamos nessa?


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