Folha de S. Paulo


Empatando com o macaco

Estava assistindo o William Waack no sábado, no programa Painel, da GloboNews, que não perco e que tinha como assunto um pequeno exercício de futurologia sobre o Brasil. Sobre o mundo, enfim. Qual o caminho que estávamos tomando? O que aconteceria conosco?

Depois que todos já haviam respondido e o programa se acabava, o Waack fez uma brincadeira com seus convidados, perguntando se achavam que suas opiniões se realizariam, ou se tanto fazia serem pedidas a eles ou a um gorila que responderia arremessando dardos num ponto predeterminado? As conclusões corriam o risco de serem as mesmas do gorila, responderam todos. As leis da probabilidade são complexas demais. Há limites para a previsibilidade.

Foi daí que o Waack indicou um livro que estava lendo, Superforecasting, the Art and Science of Prediction, de Philip Tetlock, e aconselhou a leitura por ser engraçado, fácil e inteligente. Na Amazon, com um clique.

No começo do ano nós todos somos convidados a dar palpite sobre o futuro, e baseados em quê?

Nós, os foodies, nos baseamos nas leituras, na comida dos restaurantes dos melhores cozinheiros, na comida do povo, dos botecos, no nosso palpite. E, segundo o autor do livro indicado, é quase inútil arriscarmos palpites, pois a parte subjetiva, o nosso achismo, por mais sensíveis que sejamos, não nos afasta muito do tal gorila palpiteiro.

Os que acertam em todos os campos são pessoas normais, na maioria das vezes, mas que estudam muito, se baseiam em informação existente e mudam de opinião constantemente a medida que aparecem outras informações. O autor comanda um projeto feito com pessoas normais e variadas, voluntários, que tentam adivinhar acontecimentos globais, como o início de uma guerra, o fim de outra, candidatos vencedores em eleições, prováveis terroristas, e vai por aí. Seguem um plano de estudos nada impossível de ser imitado.

O que se quer provar é que esse dom de acertar o futuro depende mais da ciência do que da subjetividade e que pode ser aprendido. Com o tempo, esses adivinhadores foram se tornando melhores, pois é possível aprender, adivinhar o futuro sem grandes computadores, somente com as evidências existentes, incorporando a outras que aparecem, trabalhando em grupo, desenvolvendo um pensamento probabilístico, aceitação de erros e correção do percurso trilhado. Os exemplos são muito interessantes como o despreparo da Baía dos Porcos, o dia D, o esconderijo de Osama Bin Laden.

Deu tempo de comprar e ler o livro, mas não de treinar para nos transformarmos em super adivinhadores. Vamos usar o Google que empilha todas as modas do ano que passou, mas por falta de método, de saber como fazer, poderemos estar empatando com o macaco, ou talvez acertando menos do que ele.

A comida, é claro, pelo que temos visto, será feita em casa, escaneada, estudada, temos que saber tudo sobre ela, não pode guardar segredos de onde vem nem para onde vai.Queremos saber onde nasceu e seu endereço e teremos uma agenda de fornecedores. O consumidor não admite
segredos, quer saber tudo, transparência total.

Vamos fazer comida de mãe e de avó, caldos muito nutritivos e gelatinizados com cúrcuma, até nossa bebida vai ser feita em casa. O Pinterest vai nos mostrar vodcas com morangos e manjericão, para facilitar, pois em vez de destilar podemos fazer infusões. Os óleos serão os de abacate, de dendê e de coco, faremos rabanadas salgadas, levaremos marmitas saudáveis para o trabalho, sempre em vidros ou bonitas caixas.

A palavra saúde nos acompanhará de perto na comida de todo dia, prestaremos infinita atenção ao nosso café. As calorias, coitadas, serão evitadas com fervor, os legumes terão receitas inventivas e seu sabor será louvado até por crianças que engatinham, babando beterraba crua. E comendo linguiça de couve-flor.

Já meio desanimados estarão o uísque e o vinho por causa de taxas e porque la donna e mobile e a cerveja progredirá, feita em casa também, e ocupará bastante de nosso tempo e dos bartenders também, pois os coquetéis serão feitos da mesma cerveja que fermentaremos em casa.

Temos que ter coisas mais baratas, não cuspa nada, se cuspir, replante com cuidado que com certeza uma nova planta nascerá. Cebolinhas verdes, alfaces, gengibres, tudo crescerá de novo, se replantado com cuidado. Fim do desperdício.

As ervas prestes a se estragar irão para o freezer dentro de cubinhos cheios de óleo que serão colocados em qualquer comida para aumentar o sabor.

Nada de muita invencionice, ingredientes bons e poucos muito bem feitos é a ordem do dia. E é bom não se esquecer do mar. É nas suas profundezas que vamos mergulhar, comendo os pepinos e fundos de conchas jamais vistos. Com mais estudos ultrapassaremos o gorila e descobriremos no mar um celeiro sem feitio.

A água terá sempre dentro alguma fruta flor ou erva que de outro jeito iria se estragar, ah, as comidas fermentadas virão ajudar os intestinos, viva o chucrute e o kimchi. Probióticos.

Perigo que os laticínios diminuam e sumam assim como o glúten. Os cozinheiros mudarão suas receitas gostosas e inventadas em menus flexíveis que atenderão às doenças ou manias de seus clientes.

Vamos obedecer as novas regras das novas dietas ou permaneceremos grudados às comidas de mães e avós como o gorila do bom livro Superforecasting ou ingressaremos no grupo daqueles que estudam muito e fazem uma perfeita análise das probabilidades?

Estaremos com o gorila, é claro, esperando o dia de desenvolver nossos possíveis dons de clarividência. 2016 vai nos pegar atentos nas causas e probabilidades de nosso fogões, se não estivermos vivendo da Bolsa e sem tempo por causa de nossos estudos em futurologia, comendo de delivery.


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