Folha de S. Paulo


Comida para trazer os amigos de volta

Bem ainda estou longe de ressuscitar das coisas que acompanham um lançamento de livro.

São entrevistas para revistas de comida, filmes para a TV, conversas longas por telefone. Consigo bancar a palhaça em todas, mas talvez seja por falta de hábito. Vou me dedicar a melhorar meu contato pessoal com o público fazendo umas conferências que tanto me pedem.

Enquanto isso quero me dedicar a cozinhar na beira do meu fogão consertado, o que também não é projeto dos mais fáceis, morando no Alto de Pinheiros onde não há absolutamente nada para se comprar. Até temos dois supermercados, mas são longe, e as coisas mais finas, mais escolhidas, são impossíveis de achar. Acho que começo por plantar uma horta e depois vou me arranjando com gente que entrega em casa.

No meu antigo blog, na Folha, estava me dedicando aos escravos, um assunto tão próximo, mas que parece a nós muito longínquo. E as gentes negras, e seu êxodo e um tentar compreender o peso de estarem vestidos com uma pele diferente, de terem vindo para o Brasil amarrados em grilhões. Foi ontem, as cicatrizes ainda doem, e com certeza um estudo
aprofundado, um boa leitura sobre a época (e suas comidas, é claro), pode nos ajudar a entender muita coisa.

Quem apareceu por aqui foi Sueli, a menina dos torresmos. Não conseguimos nos organizar para fazer uma festeta aqui e ela foi fazendo o que achava na geladeira, umas lulas, umas
coxas de pato, mas coisa mais difícil do que fazer muita comida para bufê é fazer comida para duas pessoas, quase impossível, e nem dá vontade.

Mas, tive uma ideia. Temos, lá em Paris, dois amigos de nós todos, o Luiz Horta e o Dênis Pagani e estou vendo o perig de perder os dois que cada dia se enrolam mais nas refeições de bistrô, nos vinhos, na pâtisserie maravilhosa. Não queremos que fiquem lá. O lugar deles é aqui, sofrendo crise conosco. E resolvi que nada melhor do que pescá-los-pela boca, com menus que toquem as almas, os estômagos, a saudade latente.

Refeição para tentar de volta ao Brasil o crítico de vinhos Luiz Horta e o perfumista Dênis Pagani:

Como entrada, três ostras e uma gota de suco de romã por cima. O prato pode ser salpicado de sementes de romã para ficar bem bonito.

Eles comeram lá muitas vezes (e postaram) salada de batata com ovo duro e maionese. Aquela salada dos antigos domingões, e que chamávamos de salada russa. Como as receitas da Bela, podemos substituir a batata por inhame, o ovo duro por três ovinhos fritos, de codorna, e ao lado um legume –que tal quiabos em conserva? Nada de maionese.

Acho que já chegava para os estômagos, mas para um menu que cantasse como as sereias poderíamos juntar uma costeleta de porco defumada, gordinha, passada de raspão na água fervente, cozida em minutos numa frigideira com suco de mexerica e com alguma coisa bem antiga que os faça lembrar de casa. Com ameixas pretas, por exemplo. Francês não gosta de servir comida doce no prato salgado para não estragar o vinho. Então é bem isso que vamos fazer e eles que se arranjem com essa história de vinho.

Sobremesa vai ser fácil, qualquer coisa muito doce, que os doces brasileiros são potes de açúcar. Quindim, barriga de freira, talvez um sorvete amazonense sem formigas. Nada contra formigas, se quiserem juntamos algumas que espalharão seu cheiro de erva-cidreira pelo prato.

Está, pois, aí, Luiz e Dênis, o primeiro menu que pretende seduzir vocês de volta. Como é costume, no Face outros amigos juntarão seus palpites e em três tempos vocês dois estarão aqui, como João Ratão, prontos a caírem na panela de feijão.


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