Folha de S. Paulo


Censura é passo mais grave de Trump na escalada do conflito com a mídia

A primeira reação de Maggie Haberman, setorista de Casa Branca do "New York Times", ao veto à presença do jornal na coletiva informal do porta-voz, Sean Spicer, foi lamentar que agora o assunto do dia deixava de ser aquilo que, afinal de contas, motivara a própria escalada de ataques à mídia na sexta.

Ela se referia à reportagem da CNN que, pela manhã, tinha revelado que o chefe da Casa Civil de Donald Trump, Reince Priebus, pressionou o FBI a divulgar informações sobre uma investigação em andamento. Uma revelação que pode derrubar mais um nome do primeiro escalão do novo governo.

"Agora o assunto é que os veículos foram excluídos", reclamou Haberman. Mas ela está errada.

De fato, o discurso agressivo de Trump e o veto posterior reproduzem o que já foi feito antes, diversas vezes, para abafar noticiário negativo a seu governo. Mas desta vez é diferente. A censura foi um passo que transforma até a eventual queda do chefe da Casa Civil em detalhe.

O próprio Sean Spicer havia afirmado, num evento do site "Politico" em dezembro, que não vetaria veículos específicos, porque o acesso livre "é o que faz da democracia democracia, versus uma ditadura". Na sexta, o porta-voz vetou o acesso do "Politico".

O choque foi maior do que com o discurso de Trump, em que ele voltou a chamar "NYT" e CNN de "fake news", e o de seu "estrategista", Stephen Bannon, que avisou também na sexta que o conflito do governo com a mídia não iria diminuir; pelo contrário, seria radicalizado.

É uma escalada que vem desde a posse e, uma semana atrás, subiu mais um degrau com a declaração do presidente americano de que a imprensa é inimiga do povo –expressão que, embora usada também por Hitler e Stalin, vem ironicamente de uma peça de Ibsen sobre um homem que fala a verdade e é perseguido por isso.

A violência da censura de sexta rompeu alguns limites corporativos do jornalismo. A solidariedade a "NYT", CNN e demais veio de concorrentes não atingidos, como "Washington Post" e a agência Associated Press, e até de jornais e jornalistas vinculados a Rupert Murdoch, o magnata de mídia hoje mais próximo do presidente.

O "Wall Street Journal", por exemplo, soltou nota dizendo que, se soubesse do veto, não teria participado e, no futuro, não vai participar de coletivas fechadas. A Fox News, também de Murdoch, não divulgou comunicado, mas muitos de seus jornalistas falaram contra a censura, inclusive no ar.

O âncora Bret Baier lembrou que "NYT" e CNN se opuseram e ajudaram a evitar que o governo Obama fizesse algo parecido com a Fox News. O comentarista Geraldo Rivera afirmou, que a partir de agora, todos precisam se recusar a participar das coletivas fechadas.

O passo seguinte na escalada, já antevisto, é aparentemente prosaico. Jornalistas de referência como Frank Rich, da "New York", cobraram boicote ao jantar da associação de correspondentes da Casa Branca para o presidente, evento tradicional de Washington. E já nesta sexta começou a debandada.


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