Folha de S. Paulo


Laura Poitras, "outsider"

A capa da revista de domingo do "New York Times", postada na manhã de hoje, cinco dias antes da edição, perfila Laura Poitras, a documentarista que divide com o jornalista e ativista Glenn Greenwald a divulgação das informações de Edward Snowden.

Do perfil, que acompanha a dupla no Rio: "Poitras e Greenwald são um exemplo especialmente dramático de como a reportagem externa [outsider reporting] se apresenta em 2013. Eles não trabalham em uma redação e querem estar pessoalmente no controle do que é publicado e quando. No momento em que o 'Guardian' não agiu tão rápido quanto eles queriam com a primeira reportagem, Greenwald discutiu levar a notícia para outro lugar, enviando resumo criptografado para um colega de outra publicação. Também considerou a possibilidade de criar um site em que eles poderiam publicar tudo, que planejava chamar de NSADisclosures. No fim, o 'Guardian' foi adiante com as reportagens. Mas Poitras e Greenwald criaram sua própria rede de publicação, pondo reportagens em outras organizações na Alemanha e no Brasil e planejando mais para o futuro. Não compartilharam a lista completa de documentos com ninguém. Diz Poitras: Somos parceiros de organizações jornalísticas, mas acreditamos que a nossa responsabilidade primeira é com o risco que a fonte assumiu e com o público interessado na informação que ele forneceu."

Ou seja, nem o "Guardian" --que até este momento não linkou nem reagiu ao perfil-- é confiável, quando se trata de enfrentar o poder.

Mas sobra também para o "NYT", na resposta de Snowden a uma pergunta feita pelo próprio jornal, "Por que você procurou Laura e Glenn em vez de jornalistas das maiores organizações americanas (NYT, WP, WSJ etc.)?".

Diz o "whistle-blower": "Depois do 11 de Setembro, muitas das mais importantes organizações jornalísticas nos Estados Unidos abdicaram de seu papel de fiscalizar o poder --a responsabilidade jornalística de desafiar os excessos do governo-- por medo de serem vistos como não patrióticos e punidos pelo mercado durante um período de nacionalismo exacerbado. De uma perspectiva empresarial, essa era a estratégia óbvia, mas o que favorecia as instituições acabou custando muito caro ao público. As principais organizações ainda estão só começando a se recuperar desse período frio. Laura e Glenn estão entre os poucos que reportaram sem medo sobre temas controversos ao longo desse período, mesmo diante de críticas pessoais intimidadoras, o que resultou em Laura, especificamente, se tornar alvo dos mesmos programas envolvidos nas revelações recentes."

Como a própria Poitras já havia dito, Snowden não foi ao "NYT" porque o jornal segurou por um ano inteiro a publicação de uma reportagem sobre a NSA (Agência Nacional de Segurança) no final do governo de George W. Bush.

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O "NYT", que tenta se recuperar com reportagens autocríticas, vem perdendo ele próprio a confiança na "perspectiva empresarial".

Na página B2 da edição de hoje, sob o título "Presidente do NYT vende uma porção de suas ações", informa que Arthur O. Sulzberger Jr. realizou a operação "na semana passada, um dia depois de declarar que o jornal de propriedade familiar não estava à venda". A notícia havia saído antes no "WSJ", anotando que, em três anos, a família Sulzberger já vendeu um terço de suas ações.

Por outro lado, veio do mesmo "NYT" o relato mais desesperançoso da tomada das empresas jornalísticas pelas empresas de tecnologia. Não só a compra do "WP" pelo dono da Amazon, mas a da "New Republic" por um cofundador do Facebook, além do financiamento de estudos de jornalismo por Google e Craiglist.

Do relato: "Chame de senso de obrigação. Ou responsabilidade. Ou talvez haja até uma ponta de remorso, de culpa... O Google tem se achegado aos jornalistas por uma variedade crescente de meios: financiando relatórios sobre o impacto da internet no jornalismo, patrocinando conferências de jornalismo e doando para grupos de apoio à imprensa. Na semana passada, abrigou o TechRaking, um evento sobre o uso de dados para reportagens, em seu campus no Vale do Silício, com o Centro para Jornalismo Investigativo... O dinheiro que as empresas de tecnologia e seus fundadores estão gastando para apoiar o jornalismo pode ser visto de um modo mais cínico: como um investimento de relações públicas em uma indústria que se debate mas ainda pode causar problemas para eles ou, pelo contrário, favorecer seus interesses empresariais."


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