Folha de S. Paulo


Ellsberg, Manning, Snowden

Existe uma grande diferença entre Daniel Ellsberg, que vazou os Papéis do Pentágono em 1971, e Edward Snowden, que cumpre a mesma tarefa agora, com os documentos da americana NSA, a Agência Nacional de Segurança.

Como o próprio Ellsberg afirmou, em entrevista de rádio, "o que fizeram contra mim [após o vazamento] eram então coisas ilegais", ações como "furtar o consultório do meu psiquiatra para obter informações e me chantagear".

Em 71, a revelação das ações ilegais contra Ellsberg permitiu que ele vencesse o processo que sofreu do governo Nixon. Hoje, "desde o 11/9, todas são ações legais, com o Patriot Act", a lei que autoriza monitoramento pelo governo.

Os EUA de Snowden e Bradley Manning, o terceiro grande "whistle-blower", tocador de apito dos documentos do Departamento de Estado, não oferecem mais proteção legal contra o monitoramento, muito pelo contrário.

Aliás, a proporção descontrolada que alcançou o monitoramento dos cidadãos americanos e de todo o mundo pelo governo Obama foi precisamente o alvo de Snowden, ao começar o vazamento dos documentos da NSA
há duas semanas.

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Por outro lado, existe algo que aproxima Ellsberg tanto de Snowden como de Manning, na escolha do repórter para mediar o vazamento: os três se identificaram, antes de mais nada, com o engajamento de cada jornalista.

Manning, para os documentos não só do Departamento de Estado, mas da Defesa, aproximou-se de Julian Assange, editor-chefe do WikiLeaks. Depois confiou demais em outro ativista, o hacker Adrian Lamo, e acabou denunciado.

Snowden, para os documentos da NSA, aproximou-se de Glenn Greenwald, blogueiro-ativista do "Guardian" com histórico de defesa dos mesmos Manning, Assange e WikiLeaks --e de crítica a Lamo e à publicação da qual ele é próximo, "Wired".

Ellsberg, com uma distância de quatro décadas dos outros dois "tocadores de apito", aproximou-se de um repórter do "New York Times", Neil Sheehan, mas também só depois que ele demonstrou identificação com seus objetivos.

Então analista militar, aliás, como Manning, Ellsberg queria acabar com a guerra do Vietnã. E Sheehan escreveu uma resenha no "NYT" indicando que os políticos que sustentaram o conflito deviam ser julgados por crimes de guerra.

Três meses depois, como relata em seu blog o professor de jornalismo Christopher Daly
, ex-"Washington Post", Sheehan publicou a primeira reportagem da série que seria conhecida como os Papéis do Pentágono.

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Há muitas semelhanças mais entre Ellsberg, Snowden e Manning, como terem tido funções de espionagem, daí o contato com documentos sigilosos --e sobretudo terem passado por processos de destruição de imagem, via mídia.

Snowden passa neste exato momento pela provação, chamado de traidor por uma claque que vai de colunistas do "NYT" a comentaristas da Fox News e ao ex-vice-presidente Dick Cheney, este também na Fox News.

Em entrevista para internautas no site do "Guardian", ontem, Snowden
foi questionado sobre a acusação e respondeu, cortante: "Ser chamado de traidor por Dick Cheney é a maior honra que se pode dar a um americano".


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