Folha de S. Paulo


O Copom de Itararé

Patricia Stavis - 24.ago.17/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 24-08-2017: Entrevista com Ilan Goldfajn, presidente do Banco Central do Brasil. (Foto: Patricia Stavis/Folhapress, MERCADO) Código do Fotógrafo: 1538
O presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn

O Copom reduziu a Selic para 7,5% na quarta-feira (25). A decisão frustrou quem esperava alguma ousadia de nosso Banco Central (de onde menos se espera... daí que não sai nada mesmo).

Agora a expectativa é de novo corte em novembro, para 7%, e depois estabilidade em torno de tal valor, pelo menos até meados de 2018.

É possível a Selic mergulhar bem abaixo de 7%? Sim, é possível, desde que o atual Copom faça uma coisa que ele nunca fez até agora: arriscar errar na dose para menos. Explico.

A taxa básica de juro real compatível com a estabilidade da inflação —que nós, economistas, chamamos de taxa de juro natural— é uma variável não observável que muda ao longo do tempo.

O Copom fixa a Selic com base em estimativas da taxa de juro natural. É normal que ocorram erros nesse processo, para mais e para menos, à medida que o BC ajusta suas ações com base nas expectativas de inflação e atividade econômica.

Quando a taxa básica de juro cai muito abaixo do seu nível natural, a inflação sobe e o BC revê suas decisões. Foi isso que aconteceu em 2013-15, quando o BC elevou a Selic de 7,25% para 14,25% (sim, Tombini corrigiu seu erro inicial com um ajuste maior para cima).

Análises recentes indicam que a redução dos juros foi correta na passagem de 2011-12. A Selic caiu quando tinha que cair. O problema foi que ela demorou a subir quando isso foi necessário.

Agora vivemos a situação oposta, pois a Selic demorou a cair quando isso foi necessário. Nos últimos 12 meses, a inflação diminuiu rapidamente (ainda bem), puxada pela forte desaceleração dos preços dos alimentos (ufa) e pelo movimento global de apreciação de moedas de países emergentes (até quando ninguém sabe).

Como o Copom demorou a ajustar suas ações à queda da inflação, o correto seria compensar tal erro com uma redução maior da Selic nos próximos meses (sim, Ilan deveria corrigir seu erro inicial com um ajuste maior para baixo).

O empecilho a essa correção é a diferença no tratamento político dado a cada tipo de erro de política monetária no Brasil.

Quando o BC erra os juros para menos, a inflação sobe, o rendimento real de aplicações cai e o real se deprecia. Tudo isso é altamente impopular, sobretudo no mercado financeiro.

Já quando o BC erra a Selic para mais, a inflação cai, os juros reais efetivos pagos por títulos públicos sobem e o real se aprecia. Mesmo sabendo que esse erro é insustentável, o mercado financeiro aplaude e agradece.

Um Copom muito influenciável pelo mercado financeiro tende, portanto, a hesitar na redução da taxa básica de juros mesmo quando isso é necessário. Foi isso que ocorreu no Brasil desde a mudança de governo, mas felizmente esse lapso tem solução.

Há razões técnicas para a Selic cair bem abaixo de 7% nos próximos meses.

A inflação corrente está abaixo do piso da meta, a inflação esperada está abaixo do centro da meta, a taxa de desemprego é elevada, há grande capacidade ociosa na maioria dos setores, o saldo em conta-corrente está quase equilibrado e, do lado fiscal, uma taxa de juro menor ajuda (mas não resolve) o reequilíbrio das contas públicas.

Nessas condições, chegou a hora de o BC quebrar a espinha dorsal do juro alto no Brasil. O passado recente não dá muita esperança nesse sentido, mas ainda assim espero que o Copom deixe de seguir a máxima do Barão de Itararé.


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