Folha de S. Paulo


O Brasil de hoje precisa de um Estado melhor, não necessariamente menor

Hoje adotarei um hábito de economista e assumirei que haverá solução para a atual crise política. Sei que isso é querer demais, mas tomo esse atalho para discutir dois temas inevitáveis para qualquer governo, seja agora ou em 2019: qual deve ser a estratégia fiscal e o tamanho do Estado na economia?

Para responder a essa pergunta, é preciso separar as duas coisas, porque equilíbrio fiscal é compatível com diferentes tamanhos de Estado.

Nós, economistas, definimos equilíbrio fiscal como uma relação estável entre dívida pública e renda total (PIB) da economia.

A partir de um valor ou meta para o grau de endividamento do governo, é possível calcular o resultado primário necessário para manter a relação dívida pública/PIB constante com base em projeções para o crescimento, a inflação e a taxa de juro da economia.

No caso do Brasil, as projeções de médio prazo indicam ser necessário um resultado primário de 2% a 3% do PIB para manter a dívida líquida do setor público estável em 50% do PIB. Sejamos conservadores e fiquemos com o maior valor. Nesse caso, qual é o tamanho do Estado necessário para obter um superavit primário de 3% do PIB?

A resposta depende da carga tributária que a sociedade está disposta a pagar pelos serviços fornecidos pelo Estado.

Um superavit primário de 3% do PIB pode ser obtido, por exemplo, com uma receita de 23% do PIB e uma despesa de 20% do PIB. Mas um governo que arrecada 33% do PIB e gasta 30% do PIB em seu orçamento primário também pode chegar ao mesmo objetivo.

A estabilidade fiscal está garantida nos dois casos, mas o tamanho do Estado e seu impacto sobre a vida dos cidadãos são bem diferentes.

Segundo a visão predominante entre economistas, quanto maior o Estado, menor é o crescimento da economia, pois tributos e transferências excessivas diminuem os incentivos ao trabalho e ao investimento, o que reduz a produtividade. Essa visão é equivocada, pois a resposta da economia depende do tamanho inicial do Estado e da composição de suas receitas e despesas.

Em seu livro "Growing Public", o economista Peter Lindert, da Universidade da Califórnia em Davis, sustenta que não existe uma correlação negativa entre aumento do gasto social e crescimento da economia dentro dos limites observados nos países da OCDE.

Em outras palavras, o aumento das despesas públicas com educação, saúde, Previdência e assistência social observado nos países avançados não comprometeu o aumento da renda per capita, desde que compatível com o equilíbrio fiscal.

Voltando ao Brasil, as conclusões de Lindert confirmam que, sim, devemos elevar nosso resultado primário para estabilizar o endividamento público, mas isso não requer necessariamente o Estado mínimo como defende a equipe econômica dos sonhos... do mercado.

Também é possível fazer isso com elevação da tributação sobre os mais ricos e realocação da despesa primária para programas de maior impacto positivo sobre o dia a dia da população, como saúde, educação infantil e infraestrutura urbana.

O tamanho do Estado é uma decisão política sobre quais serviços a sociedade quer do governo, sobre quanto o governo deve diminuir a desigualdade da distribuição de renda e sobre quem deve financiar essas duas ações. O Brasil de hoje precisa de um Estado melhor, não necessariamente de um Estado menor.


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