Folha de S. Paulo


Do jeito que está o texto, é melhor não aprovar a reforma trabalhista

Pedro Ladeira - 6.jun.17/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 06-06-2017, 10h00: Reunião da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, durante votação do projeto da Reforma Trabalhista. O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) preside a comissão e o relator da reforma é o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES). (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
Os senadores Ricardo Ferraço (PSDB-ES), relator da reforma trabalhista, e Tasso Jereissati (PSDB-CE)

Apesar da crise política, ou justamente pela crise política, a CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado aprovou a reforma trabalhista nesta semana.

A modernização da CLT é uma medida necessária para aumentar a produtividade e melhorar o funcionamento da economia, mas a reforma discutida pelo Congresso Nacional tem um problema fundamental: ela diminui demasiadamente o poder de barganha dos trabalhadores.

Desde o fim do século passado, vários países europeus reformaram suas leis trabalhistas para dar mais flexibilidade aos contratos de trabalho e segurança aos trabalhadores. Com base na experiência inicial da Dinamarca, essas reformas foram apelidadas com o palavrão "flexicuridade".

A ideia básica era permitir que os contratos de trabalho se adaptassem à nova realidade tecnológica e globalizada da economia de hoje.

Ao mesmo tempo, as reformas também dariam mais segurança aos trabalhadores via uma ampla rede de proteção social —com seguro-desemprego generoso de até quatro anos e reposição salarial de até 90% no caso dinamarquês e um grau de sindicalização bem acima da média verificada nos países avançados.

No Brasil, a reforma trabalhista está em discussão há muito tempo. Por exemplo, o governo Lula criou o Fórum Nacional do Trabalho, que apresentou uma proposta de emenda constitucional para a reforma trabalhista. A iniciativa não prosperou.

Durante o governo Dilma, houve uma proposta mais focalizada de criação do Acordo Coletivo Especial, para promover o negociado sobre o legislado, via projeto de lei, sem sucesso.

Apesar do bom desempenho do mercado de trabalho até 2014, essas duas iniciativas de reforma não prosperaram por resistências dentro do próprio movimento trabalhista. Agora temos as consequências. Quando a esquerda não faz a reforma necessária no tempo correto, ela acontece além do necessário no momento errado.

A proposta aprovada pela CAE tem dois grandes problemas. Primeiro, do lado conjuntural, estudos sobre o tema indicam que a flexibilizar leis trabalhistas em momento de lento crescimento tende a aumentar, ao invés de diminuir, a taxa de desemprego no curto prazo.

Segundo, do lado estrutural, caso aprovada, a reforma trabalhista acontecerá em um cenário de desmonte da rede de proteção social —pela "PEC do Estado Mínimo", que prevê crescimento zero do gasto público por até 20 anos e sem nenhum incentivo para a sindicalização dos trabalhadores.

Em comparação ao que aconteceu nos países europeus, a proposta de reforma aprovada pela CAE é uma flexicuridade à brasileira. Uma reforma capenga que propositalmente esqueceu de dar segurança aos trabalhadores.

Existe solução para o que foi aprovado pela CAE. Devem-se eliminar os absurdos reconhecidos até pelo relator do PSDB, mas que nada fez sobre o assunto sob o pretexto que depois o governo poderia "reformar a reforma" por medida provisória. Quem garante que essa MP será enviada e aprovada no atual contexto político?

E deve-se incluir, também, uma cláusula que exija um nível mínimo de sindicalização para que o negociado prevaleça sobre o legislado. Isso é importante sobretudo para o setor de comércio e serviços, em que a participação em sindicatos pode melhorar substancialmente os salários e os benefícios. Do jeito que está o texto, é melhor não aprovar a reforma trabalhista.


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