Folha de S. Paulo


Solução para crise exige debate equilibrado de questões impopulares

Ueslei Marcelino/Reuters
O presidente Michel Temer sorri durante reunião empresários da construção civil no Palácio do Planalto, em Brasília, nesta quinta
O presidente Michel Temer

As cerimônias de coroação papal, realizadas até 1963, incluíam um ritual no qual o mestre de cerimônias se colocava três vezes à frente do sumo sacerdote e dizia: "Sic transit gloria mundi".

A frase era destinada a lembrar a todos que as glórias do mundo são passageiras, que é importante não sucumbir a vaidades pessoais. Seria bom fazer algo similar para nossos governantes.

No dia 12, o governo Temer completou um ano com arroubos autocongratulatórios de que os fins justificam os meios.

Naquele momento, as reformas trabalhista e da Previdência pareciam andar a passos largos no Congresso, o Banco Central sinalizava que poderia cortar a taxa Selic em 1,25 ponto percentual (o que ainda é possível) e o ministro da Fazenda anunciava o fim da recessão que se abateu sobre o Brasil desde o fim de 2014 (tomara que sim).

Decorridas apenas duas semanas, as glórias do governo Temer parecem ter evaporado. Após um episódio que parece castigo divino ao cinismo e à hipocrisia que têm dominado a política brasileira nos últimos anos, a revelação das conversas de um grande empresário com o presidente da República, e também com o então presidente do PSDB, nos colocou novamente numa crise política.

O que fazer agora? Na economia, há quase um consenso de que o país precisa de reformas estruturais para viabilizar um novo ciclo de desenvolvimento. No entanto, também há divergências sobre a realização dessas reformas no atual ambiente político.

É certo que mudanças são necessárias na Previdência e na legislação trabalhista, assim como na tributação, na remuneração dos servidores públicos, no gasto social e também no gasto financeiro do governo.

Porém, a necessidade de reformas econômicas não pode servir de justificativa para manter o atual governo se não houver sustentação jurídica para isso diante das últimas denúncias.

Também não se deve utilizar a crise atual como pretexto para eleger uma administração temporária e tecnocrata, que realize mudanças legislativas a toque de caixa, sob o argumento de que seria impossível fazer isso a partir de 2018. Os eleitores brasileiros merecem confiança e respeito.

O bom senso recomenda que se suspenda a tramitação das reformas no Congresso até que se construa uma solução política para a crise do governo PMDB-PSDB. Somente depois disso, seja lá quem for que ocupar a Presidência da República, poderá retomar a agenda econômica de longo prazo.

Uma solução rápida e consensual para a crise atual talvez torne possível a aprovação de algumas das reformas necessárias ainda em 2017. Isso, no entanto, não deve ser o foco do debate político.

Após quatro anos da radicalização ideológica iniciada pelas passeatas de 2013, os últimos acontecimentos revelaram mais uma vez que não existem passes de mágica numa democracia.

Apostar na simplificação e na radicalização do discurso econômico pode até gerar ganhos políticos no curto prazo, como aconteceu para a esquerda, em 2014, e para a direita, em 2016, mas isso pouco contribui para a solução de nossos problemas.

Para evitar uma nova alternância de glórias pessoais temporárias, sem avanços duradouros na economia e na sociedade, a solução da crise atual requer um debate equilibrado e transparente de questões impopulares, inclusive nas campanhas eleitorais, inclusive pela esquerda.

Começo hoje minha coluna quinzenal e agradeço à Folha pelo convite para esse espaço.


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