Folha de S. Paulo


'Desonerômetro'

Todos as campanhas falam de transparência. Os candidatos falam de transparência. O assunto, quase sempre retórico, é obrigatório em eleições.

Em recente artigo publicado nesta Folha, os economistas Armínio Fraga e Marcos Lisboa escreveram sobre a necessidade de promover avaliações regulares e independentes de políticas governamentais, garantindo à sociedade o acesso a informações que permitam "o contraditório" sobre a aplicação do dinheiro público.

O artigo não chega a propor claramente, mas dá a entender que uma espécie de autoridade fiscal, conselho ou entidade do ramo poderia se encarregar de acompanhar, em detalhes, os programas de incentivo do governo, saber se eles beneficiam, de fato e de forma inteligente, este ou aquele setor.

A dupla parece acertar no diagnóstico. Até porque hoje, o que se tem de informação se resume a uma mera estimativa feita pela Receita Federal no início de cada ano do quanto pode representar o volume de desonerações.

O problema é que, ao final de 12 meses, não se sabe quanto elas efetivamente custaram e, tampouco, quem as recebeu.

Ex-vice-ministro da Fazenda e um dos conselheiros econômicos de Lula, Nelson Barbosa apresentou à Folha uma ideia monitoramento. Nela, não há criação de órgãos específicos para fazer o serviço.

O economista propõe algo mais simples, um "Relatório de Transparência Tributária", sistema obrigaria o governo a publicar, anualmente, um demonstrativo de gasto efetivo com todas as isenções concedidas. O ranking seria detalhado por programa e por contribuinte.

A empresa interessada em alguma desoneração federal só acessaria o benefício se concordasse em ter o valor dessa isenção divulgado publicamente.

"Num país onde quem recebe o bolsa família tem o seu CPF na internet e onde todos os funcionários têm os seus salários no Portal da Transparência, chama atenção o fato de as desonerações não terem tratamento equivalente", sustenta Barbosa.

O monitoramento vigiaria a aplicação do dinheiro público nessa área.

Em 2012, o governo Dilma foi criticado por falta de critério em muitas das desonerações que promoveu. Semana sim, outra também, o ministro Guido Mantega (Fazenda) ia às câmeras incluir um novo setor no programa.

Hoje, sabe-se que nem mesmo o Executivo consegue, no detalhe, avaliar o impacto real de sua própria política. Aliás, ninguém sabe ao certo.

Veja o caso da água mineral. O produto tem desoneração de PIS/Cofins (enquanto a água encanada paga o imposto).

Será que essa isenção (estimada em R$ 60 milhões este ano) fez ou fará cair seu preço nas prateleiras ou foi para a margem de lucro das empresas? Mais: é possível medir se uma isenção para a água encanada traria benefícios a um número maior de brasileiros? Nós simplesmente não sabemos.

Raciocínios similares valem para itens como luminárias, papel de parede, geladeira, e por aí vai.

Nada contra cortar tributos. Todo mundo sabe que a desoneração é um instrumento de política econômica e social, mas é preciso critério, sobretudo no estágio atual de tão parco dinheiro para investir.

Afinal de contas, afirma Nelson Barbosa, uma renúncia de R$ 1,00 para estimular algum ramo de negócios tem o mesmo impacto sobre a dívida pública que aplicar R$ 1,00 no Bolsa Família ou no Minha Casa Minha Vida.

Não é só uma questão de escolha. É também de transparência.

O "desonerômetro" é uma boa discussão.


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